O ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP), atual senador pelo Amapá, fala sobre o acontecimento da semana em Macapá, que foi o falecimento do ex-governador Annibal Barcellos, de quem se considerava amigo e admirador. Para Sarney a consternação popular vista nos funerais do Comandante Barcellos foi prova de que ele cumpriu seu papel com os inúmeros cargos públicos que ocupou, mas também ganhou o reconhecimento pelo fato de não ter ido embora do Estado. Sarney também fala sobre os temas atuais do Congresso Nacional, como sua atuação e empenho para garantir um novo rito para as Medidas Provisórias na Câmara e no Senado. Também se diz confiante de que a ameaça de crise mundial que se desenha vai encontrar a economia brasileira mais consolidada, com chances de não ter maiores abalos. Acompanhe a entrevista exclusiva concedida ao Diário do Amapá.
Diário do Amapá - A semana que termina foi marcada pela comoção em Macapá pelo falecimento do ex-governador Annibal Barcellos, a quem o senhor também prestou homenagens. Para o senhor que é tão sensível nessas questões de relacionamento entre homem público e a sociedade, fica o que desse episódio?
José Sarney - Olha, eu não só me manifestei, me associando ao pesar do povo amapaense como eu pessoalmente senti muito a morte do Barcellos, porque ele era uma legenda hoje no Estado do Amapá, pelos anos que viveu, a sua dedicação ao Amapá, onde ele escolheu para ficar e até para terminar a sua vida, com grande humildade, depois de ele ter sido tudo, interventor, governador, deputado federal e prefeito ele aceitou ser vereador de Macapá. Ele fez uma coisa que era uma tradição no tempo do Império.
Diário - Que tradição era essa, senador?
Sarney - Consistia em que os grandes estadistas do Império eles escolhiam para terminar a sua vida pública as suas cidades-natais, onde naquele tempo se chamava camaristas, então eles escolhiam essa função para terminar a sua vida pública. O Barcellos fez isso, lembro-me sempre desse fato histórico.
Diário - E sobre a obra de Barcellos, senador, dizer o que sobre ela?
Sarney - Ele realizou muito pelo Amapá, preparou o Território, como interventor, para ser Estado e lutou para essa transformação. Eu mesmo tive algumas vezes no Amapá quando ele era o interventor, inclusive em companhia do Andreazza [Mário Andreazza, ex-ministro do Interior], assim como na companhia do Presidente Figueiredo, sempre para inauguração de grandes obras que ele [Barcellos] fazia, como o Tribunal de Justiça. Eu me lembro que fui na inauguração do hotel que ele construiu, o hoje Macapá Hotel, na orla. Também quando ele era deputado federal e eu presidente de partido nós sempre estávamos juntos.
Diário - Mas chegaram a ser adversários?
Sarney - Tivemos algumas divergências políticas, mas elas nunca foram de profundidade e nunca deixamos de sermos bons amigos, eu assim o considerava. Muitas vezes que estive no Amapá durante a sua doença eu o visitei e ele sempre estava com aquele mesmo espírito, pensando nas mesmas coisas e como homem público sempre muito lúcido. Então foi muito justa a homenagem que o povo do Amapá prestou ao Barcellos, ao mesmo tempo que fez justiça foi recompensadora para a sua vida pública. Evidentemente que ele não assistiu, mas como Cristãos, acreditamos que a sua alma estava presente na alma do povo amapaense.
Diário - O decano do Tribunal de Justiça do Amapá, o desembargador Dôglas Evangelista Ramos certa vez definiu Barcellos e Sarney, duas expressões da política amapaense, dizendo que Barcellos tinha memória de elefante e Sarney era hour-concour. O que o senhor acha disso?
Sarney - Eu acho que cada um define as coisas da maneira como se olha... (risos) Há um conto indiano no qual diz que uma pessoa que era cega deparou-se com um elefante e pegando na tromba pensou que fosse uma cobra, pegou nas ancas e pensou que fosse um boi, todos estavam certos, afinal era aquilo que ele via. Então ele [Dôglas] que conheceu a memória do Comandante Barcellos julgava que tinha uma excelente memória. Mas melhor que a memória dele foi a memória que ele deixou no Amapá.
Diário - Por falar no Amapá, na última vez que o senhor esteve no Estado um grupo de 14 deputados estaduais lançou o que a imprensa chamou de "Fica Sarney", num apelo para que o senhor vá à nova reeleição. O senhor disse que não quer disputar nova eleição, mas não se afastará da política, como será isso?
Sarney - É porque não só com mandatos se faz política, então eu com a bagagem que tenho de vida pública não deixarei nunca de ser político, mesmo não disputando mais mandatos eletivos. O Virgílio Távora gostava de dizer que tinham duas maneiras de deixar a política: quando o povo deixava a gente ou quando a gente deixava o povo, mas eu hoje acho que tem uma terceira, que é a idade... (risos) Pois nem só o povo, nem só a gente, mas a idade também nos leva a que a gente possa afastar-se dessa disputa eleitoral e da própria eleição.
Diário - Foram muitas eleições, não é mesmo senador?
Sarney - Foram dez eleições ganhas, tendo tido tudo nesse país, nunca tive um cargo que não fosse por delegação do povo do Brasil e tenho tido oportunidades, e agradeço sempre a Deus, de trabalhar pelo meu país e deixar uma bagagem que eu acho tão importante da minha contribuição à vida pública brasileira.
Diário - O que o senhor mais destacaria nessa história toda de vida pública?
Sarney - A democracia, sem dúvida, pois vivemos esse sistema que foi consolidado no período da transição por mim presidindo o Brasil, convocando a Constituinte e ao mesmo tempo assegurando o funcionamento da Constituição e, como democrata, respeitando a própria decisão dos constituintes e outras grandes iniciativas que tive, inclusive inclui o social nas preocupações nossas do Brasil, pois só se falava na parte econômica, mas no meu governo começou isso tudo, com o "tudo pelo social".
Diário - Então o senhor foi precursor das políticas públicas com foco no social, como depois veio o Fome Zero e atualmente tem as bolsas, não é mesmo?
Diário - Então o senhor foi precursor das políticas públicas com foco no social, como depois veio o Fome Zero e atualmente tem as bolsas, não é mesmo?
Sarney - Exatamente, a partir dali ninguém mais deixou de se interessar pela área social, recordo que ali começou tudo, como o Programa do Leite para as crianças e a distribuição de cestas básicas, a correção do salário mínimo acima da inflação, o seguro-desemprego, que foi feito por mim, enfim, tudo que nós pudemos realizar nessa área, como as farmácias básicas que hoje são chamadas Farmácia do Povo, enfim, começamos a trabalhar pelo social fazendo a inclusão pois naquele tempo o Plano Cruzado fez a maior distribuição de renda da história do Brasil, foram milhões de brasileiros que passaram a participar da economia do país.
Diário - O senhor é um aliado de primeira hora do governo Federal, mas empenhou-se pessoalmente em preparar uma PEC [Projeto de Emenda Constitucional] que acabou sendo aprovada por consenso no Senado para regular a tramitação das Medidas Provisórias, as MP's. Foi uma medida acima de tudo de valorização do Congresso Nacional?
Sarney - Olha, eu acho que esse novo rito das Medidas Provisórias é uma valorização do Congresso e do Senado Federal, onde as Medidas chegam hoje com o prazo quase vencido para nós examinarmos em dois ou três dias. A partir de agora, com essa nova Emenda Constitucional, as Medidas Provisórias terão oitenta dias na Câmara e quarenta dias dentro do Senado, o que naturalmente dá um prazo para que o Senado possa melhorar e contribuir para que sejam melhor elaboradas.
Diário - Para fechar, presidente, o senhor sempre se declara um otimista, mas os especialistas estão vendo semelhanças entre a atual crise econômica internacional com a de 2008. O senhor acha que o Brasil tem motivos para se preocupar com essa ameaça?
Sarney - Eu acho que o Brasil está bem preparado para enfrentar a crise, evidentemente nós não somos invulneráveis, nós teremos alguma conseqüência, mas eu acho que a Presidente Dilma está gerindo muito bem a coisa pública de modo que se a crise chegar nos encontre preparados para que não tenhamos grandes danos para o povo brasileiro e para o Brasil.
Diário - Obrigado pela entrevista, presidente?
Sarney - A todos os leitores e ao mesmo tempo a todas as famílias do Estado do Amapá o meu abraço e meu desejo de felicidades, de paz de saúde e de tranqüilidade.
Bom dia! Gostaria de saber se esta entrevista foi publicada nesta segunda no Jornal do Amapá. Ou se foi publicada outro dia porém, disponibilizada só hoje?
ResponderExcluirAtt
Foi publicada no domingo. A entrevista foi concedida na semana passada e publicada na edição de domingo no www.diariodoamapa.com.br.
ResponderExcluirÉisso