segunda-feira, 21 de julho de 2014

José Sarney: “Banana e De l'Amour”

Conheci no Amapá dois tipos inesquecíveis. O Banana, que de banana não tinha nada, e o Frank de l'Amour, cantor de chapéu malandro que só falava em francês e cantava velhas canções de Piaff. Há duas semanas, emocionado com os sons de La vie en rose, caiu vítima de um enfarte fulminante. Aos 25 anos, Frank de l'Amour viajou com sua alegria. Deixou lembranças e saudades. Como uma desgraça costuma não vir só, foi-se o Banana, outra figura popular e amada, desse tempo em que as cidades tinham seus tipos pitorescos, amados e marcantes, por todos conhecido e requisitados em sua santa loucura. Da minha infância recordo o Bota Pra Moer, o J. J. Burro Doido, o Rei dos Homens, a Maria das Ladainhas, a Tina da Flor Vermelha - pretinha dançarina de saia rodada sem nada em baixo e ídolo da meninada. O Banana nasceu para combater o errado, defender os aflitos e ser juiz das discussões bestas. Tinha uma famosa motocicleta e dela vivia, pedindo peças, pneus e acessórios. Só capacetes eu devo ter lhe dado uns três. Onde havia um problema, Banana aparecia e ia solucionar. Recordo uma Novela exemplar de Cervantes, em que um tal Monipodio, que nunca deixara nada de álcool entrar pelo "canal principal" dizia: "Conta-me o teu agravo que aqui estou para te fazer justiça". Toda a cidade conhecia o Banana. Ele estava onde todos estavam e onde todos não estavam. Era íntimo de juízes, desembargadores, senadores (eu inclusive), governadores, deputados, comerciantes, e a todos tratava com deliciosa intimidade. Onde Banana passava com sua velha e desconjuntada motocicleta e via um doente, protestava contra o mundo e levava o enfermo ao médico mais próximo, fosse quem fosse, exigindo atendimento. Se soubesse que alguém fora maltratado em uma repartição pública, mercado ou loja, lá ia tomar as dores do ofendido. Se era mendigo, colocava na garupa e ia entregá-lo na casa do prefeito, que ao sentir o perigo logo gritava: "Lá vem o Banana". Uma vez arrombou o portão e cumpriu sua missão. Sua obsessão era com as injustiças e querelas. Semana passada roubaram seu capacete e disseram-lhe que estava na Casa de Saúde São Camilo, deixado por um acidentado. Foi buscar. Ao entrar, encontrando uma senhora cheia de dores que luta por socorro, Banana esquece seu capacete e arma um circo grande, gritando por médicos e enfermeiros, protestando violentamente para que a paciente fosse atendida. Vem a polícia para conter Banana. Ele tenta fugir e dispara na velha moto. Logo em frente é jogado longe e morre. A tristeza desceu sobre Macapá. O excelso quebrador de galhos caiu do cacho. A cidade chorou e eu quase também.

Jornal do Brasil (RJ) / Folha de S. Paulo

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