segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

José Sarney

Quem paga a conta

A democracia é complicada e bem mais barata que os regimes monárquicos, teocráticos e ditatoriais. Mas não é o gasto que pesa na arte de ter um bom sistema. A democracia representativa custa pouco: é um título de eleitor e a burocracia de colher os votos. Mas será só isso?
É que, para conscientizar o eleitor, é necessário que o candidato exponha suas ideias, faça proselitismo e realize aquilo que se chama campanha -e só quem viveu uma campanha sabe o que é. Ela se confunde com a eleição de que faz parte, mas domina todas as etapas desta, e assim a abarca toda. Mas, nas articulações entre adeptos e rivais, a pergunta que surge é sempre:
"Em que palanque vamos ficar?". O palanque é o essencial, o resto é supérfluo. As agruras de uma campanha-eleição são tantas que contam haver um homem visitado um cemitério e começado a ler as inscrições nos túmulos: "Aqui repousa em paz...". O visitante escreveu:
"Porque nunca concorreu a uma eleição!". Senão, nem depois de morto tem paz. Antigamente, a campanha era feita de diretório em diretório, com organização de comitês, grupos de trabalho e toda forma de mobilização. Hoje, um minuto de televisão vale mais que tudo isso.
A campanha reduziu-se à televisão. Ela fornece, comanda, decide a pauta da eleição. E é aí que se estabelece o nó do dinheiro. Hoje, o palanque eletrônico leva 90% de todos os gastos. E de onde tirar o dinheiro? No mundo inteiro descobriram duas fórmulas: o financiamento público e a generosidade privada.
No Brasil, essa discussão já é velha e agora cresce mais. Já existe um projeto de lei passado no Senado que cria o financiamento público e a lista fechada. Por ele, financia-se o partido, e não o candidato.
O partido torna-se o encarregado da campanha. Hoje, nosso sistema do voto proporcional, que vem do século 19, obriga cada candidato a fazer a sua campanha, o que significa muito mais dinheiro e muito maior comprometimento do financiador com o seu financiado.
Hoje ninguém quer ver o seu nome numa lista de doadores. Estabelece-se logo uma suspeita de relação de interesses.
Daí o nosso impasse. Se o dinheiro não sai de um financiamento público e não sai de particular, e se uma equipe de marqueteiro e sua parafernália eletrônica não custam menos de R$ 10 milhões, de onde virá o dinheiro? Brizola já dizia:
"Para combater epidemia e fazer eleição nunca faltará dinheiro". Assim, a democracia, que é barata, fica cara, porque a solução será a porta escusa do caixa dois e seus custos inconfessáveis. A outra saída, como diria o Otto Lara, é dissolver a eleição.

José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa
jose-sarney@uol.com.br

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