O senador José Sarney (PMDB-AP) reassumiu a Presidência da República depois de
22 anos. Discreto, tranqüilo e sem as ilusões dos neófitos, cumpre sua missão
constitucional, como presidente do Senado, diante da ausência, em território
nacional, da presidente, do vice-presidente e do presidente da Câmara. Fica até
sábado. Mas o interessante é a repercussão nas mídias. Repórteres, colunistas,
blogueiros e coisas afins, todos muito imaginativos, logo abraçaram as
especulações sobre o que ele faria no período, de como se comportaria ou de
como se sentia ocupando posição em que já ocupara no passado. Perguntas tolas foram
dirigidas a ele sobre o assunto, sempre respondidas com a maior paciência e bom
humor. Teve texto tão surrealista e hilário na especulação que se poderia
pensar que Sarney poderia fazer uma verdadeira revolução nos três dias de ausência
de Dilma. Alguns até brincaram com o fato de um cartomante mineiro - ou coisa
parecida – ter previsto sua segunda passagem pela Presidência. Poucos
aproveitaram o fato para fazer jornalismo de verdade, relembrando os aspectos
positivos e negativos do governo Sarney ou sua importância para a transição
democrática e a modernização da máquina pública. Um assunto bom seria a transparência,
tema preferido da imprensa para tentar estigmatizar Sarney nos últimos anos. Poderiam
mostrar que foi na Presidência de Sarney (1985-1990) que se criou o Sistema
Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), que acabou
com a “conta movimento” do Banco do Brasil e instituiu a Comissão de Defesa dos
Direitos do Cidadão, apelidada pela imprensa de Ouvidoria, para apurar
denúncias contra o próprio governo. Quem se lembra do que era a conta movimento
do Banco do Brasil? Era o instrumento mais poderoso e desagregador da política
brasileira no Regime Militar. O Banco do Brasil tinha uma carteira que
administrava recursos resultantes de emissões de papel-moeda e que se destinava
a socorrer empresas de amigos do governo, inclusive da grande mídia. Era a
“maquininha ´mágica` de fazer dinheiro, um dos fatores mais importantes que
pesava sobre a inflação e que tornavam privados os recursos que deveriam ser
públicos" (palavras de Sarney). Pois foi Sarney o primeiro presidente que
teve coragem de acabar com esta aberração. Não existe, na História da
República, gesto maior de moralização e transparência de recursos públicos do
que este. Todo mundo que chegava à Presidência deixava a monstruosidade
orçamentária continuar porque era altamente útil ao aliciamento político. Mais até do que o AI5. E isso nunca deu manchete de jornal. Jornalistas
e colunistas manjados, associados aos grandes conglomerados do Sudeste, de
quando em vez, procuram estigmatizar Sarney como símbolo do que seria “pouco
transparente”. Fazem isso por pura vingança corporativa. Sabem que, quando
colocam em questão os detalhes dos gastos do Senado, por exemplo, se utilizam
ou do portal “Contas Abertas” para
suas acusações, ou consultam diretamente os dados do próprio SIAFI –
Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal. Criado por
quem? Por Sarney. A contradição é: como podem considerar Sarney “pouco
transparente” se os mecanismos de consulta do Orçamento só existem justamente
por causa de decisões políticas corajosas de Sarney quando foi presidente da
República? Por outro lado, Sarney aplicaria no Legislativo a revolução que
havia iniciado na Presidência da República. A Casa da Federação, desde o final
dos anos 70, era a de menor prestígio do Congresso Nacional. Durante a Ditadura
Militar, a presença dos senadores biônicos desprestigiou a instituição. Mas o
cenário mudou durante a década de 90, justamente por causa da decisão de Sarney
de criar, com a ajuda do competente jornalista Fernando César Mesquita, a TV
Senado, que passaria a ser referência para todas as demais TVs públicas que
viriam. Com ela, a transmissão ao vivo das sessões plenárias e das reuniões das
comissões abriu ao país uma realidade conhecida por poucos. No início, eram
somente quinze horas no ar, transmitidas apenas para Brasília. Em maio de 1996,
o sinal da TV Senado já estava em todo o Brasil pelo sistema de satélite
digital. Antes de completar um ano, já transmitia sua programação durante vinte
e quatro horas, inclusive nos finais de semana. Com a explosão de CPIs, os
índices de audiência aumentaram e chegaram a superar o desempenho de diversas
TVs comerciais. Chefe da Secretaria de Comunicação da época, o jornalista Fernando
César Mesquita lembra: “divulgava-se menos de 1% dos fatos produzidos pelos
senadores, quando não se omitia ou distorcia os fatos. Agora, eles seriam
acompanhados passo a passo no Senado”. Alguns maus jornalistas especialistas na
cobertura da Casa foram os que mais chiaram, pois perderam o monopólio na “tradução”
do que ocorria. Quer dizer, perderam o poder de manipular opiniões. O povo
começou a ver que os comentários dos colunistas e repórteres não eram bem
verdades absolutas. Aquela realidade acusada pelo excelente Bob Fernandes, de
que "cerca de 12 jornalistas conduzem a opinião pública a respeito da
política nacional", começou a ruir. É verdade que alguns jornalistas ainda
acreditam nisso e confundem o inquestionável poder da mídia com o seu poder
individual, mascarando o que deveria ser opinião pública com a opinião
publicada. É verdade, também, que colunistas medíocres, - mas influentes -,
continuarão recebendo seus jabás. Mas é fato que a transparência da própria
instituição evoluiu muito. E evoluiu justamente por causa daquele que sempre
sofreu os maiores e mais vis ataques: José Sarney. Não perdoam o que ele fez pela transparência desde que entrou na política. Pois, mesmo antes de ser
presidente, teve a mesma postura como governador, deputado e senador pelo
Maranhão. Depois da Presidência, ainda se manteve politicamente decisivo na
vida política nacional, como senador do Amapá por três mandatos consecutivos,
presidente do Senado Federal por quatro vezes. São mais de 55 anos de vida
pública sem uma mancha sequer, em cargos sempre eletivos, que deveria ser mais
apreciada como modelo para as novas gerações.
* Said Barbosa Dib, historiador, analista
político e assessor, com muito orgulho, do presidente Sarney
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