sexta-feira, 27 de novembro de 2009

José Sarney

Social e caoscracia

Li alguma vez em Bobbio - o grande cientista político do século 20 - que ele não sabia exatamente o que era social-democracia. Para os bolchevistas era anterior ao comunismo. Depois seria uma espécie de terceira via, uma alternativa ao comunismo. Desaparecendo essas circunstâncias históricas, e com o fim das ideologias, a social-democracia passou a ser assim uma espécie de pau d'arco roxo, aquele remédio que servia para tudo, independentemente do diagnóstico, e consistia em terapia milagrosa. Marco Maciel, citando sua preocupação em pensar com antecedência nas nossas datas históricas redondas, no caso os 200 anos da Independência, 2022, recorda Drummond, que reclamava que ninguém mais se dizia republicano, e sim democrata. Eu nunca encontrei um social-democrata que me dissesse: "Joaquim Maria Francisco de Oliveira, social-democrata". A distância do que dizia Bobbio para a realidade atual é que a social-democracia, sem existir, é marca registrada de todos. A Europa se orgulha de ser social-democrata, a Rússia vive ainda a sua crise de identidade e a América do Sul não é nada, incluindo nessa definição o socialismo bolivariano de Chávez, no mínimo mais para surrealismo do que para política. Outra coisa que ninguém sabe é o que é o peronismo. E, contudo, ele já resiste a meio século e todo dia nasce peronista na Argentina. Fernando Henrique, há alguns anos, fugindo da saraivada dos ataques de que se tornara neoliberal, saiu, brilhantemente, com esta afirmação: "Nada disso, eu sou neossocial". E haja como decifrar esse selo. Tomei a pachorra de procurar a palavra social nas dezenas de siglas partidárias brasileiras, e em quase todas está presente, explícita ou oculta. Lembrei-me de uma conversa que tive com o general Golbery do Couto e Silva quando falamos em abertura, à procura de conceitos. Disse-lhe que poderíamos resumir na "volta ao Estado social de Direito". Ele me contestou: "E o que é isso, social de direito?". Tentei explicar-lhe que o Estado de Direito era o império da lei, mas que, com o avanço das ideologias -e naquele tempo elas estavam com tudo-, tínhamos que ter leis que protegessem o social, privilegiasse os mais pobres, uma ingerência do Estado contra as desigualdades. Ele me disse que isso era muito sofisticado, com uma resposta precisa: "Resuma: welfare state?". "OK. Sim". Golbery voltou: "Então para que complicar com esse direito no meio?". Hoje, tudo mudou. A América Latina se move ou se contorce? Bolívia, Equador, Paraguai, Honduras, Colômbia, Venezuela estão em busca de quê? Social-democracia, caoscracia ou sobrevivência? Só ressuscitando Bobbio para dizer.

José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa
mailto:Lisboajose-sarney@uol.com.br

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