Adão voltará, Eva talvez
Lévi-strauss, há 50 anos, disse no seu famoso "Tristes Trópicos" que o principal poluidor da Terra é o homem. Daí, talvez, pudéssemos retirar um aforismo: se é o homem o responsável pela poluição, seria ele que deveria acabar. Mas não é esse o problema, e sim o de salvar a natureza para o homem. Em 1972, fiz talvez o primeiro discurso no Parlamento brasileiro sobre ecologia, com uma visão científica e fora do ufanismo romântico das belezas naturais e sua conservação. Realizava-se a 1ª Conferência sobre Ecologia em Estocolmo. Em Copenhague, em dezembro, ocorrerá a 15ª sobre o clima, sob o mesmo patrocínio das Nações Unidas. Há um grande ausente nas discussões sobre ambiente: o controle demográfico. Em 1850, a população mundial era de 1,2 bilhão de pessoas; em 1960, 3 bilhões; em 1980, 4,4 bilhões; em 2000, 6,1 bilhões; em 2009, 6,8 bilhões. E a previsão para 2030 é de 8,3 bilhões e, para 2050, 9,1 bilhões. Isso com uma taxa de 1,85 filho por mulher. Esse número basta para condenar o mundo, qualquer que seja o heroísmo das medidas contra o efeito estufa e a poluição das águas. Cada americano contribui com 20 toneladas de CO2. O brasileiro, sem um cálculo preciso, participa com cerca de três toneladas. Já hoje, segundo o diretor do Instituto Ambiental da Universidade de Princeton, Stephen Pacala, citado por "El País", os 500 mil mais ricos são responsáveis por metade do dióxido de carbono do mundo. Ainda devemos acrescentar que o calor do corpo humano e sua respiração, consumindo oxigênio e expelindo gás carbônico, já é responsável por considerável contribuição não descartável do aquecimento global. Ao mesmo tempo, os animais, à frente nossos inocentes bois e vacas, só eles, expelindo metano, nos ajudam a poluir. Devemos aos chineses, que há 30 anos tomaram a iniciativa de somente ter um filho, não entrarmos numa situação populacional pior. Calcule se a China, hoje com 1,3 bilhão de habitantes, tivesse crescido como o resto do mundo, que teve taxas altíssimas? Por outro lado, se com o seu desenvolvimento consumissem o que consomem os ricos do Ocidente, estaríamos fazendo conferência sobre ecologia? Nossas preocupações seriam sobre a sobrevivência do homem na face da Terra. Malthus teria razão. Em 2050, mesmo com a projeção conservadora de um filho, precisaremos de mais 70% de alimentos, isto é, adubos, terras, inseticidas, infraestrutura, hospitais. Que mundo será esse? Assim, ecologia sem falar de demografia é piada, é ideologia vazia. O problema está aí. Se limparmos a atmosfera e não controlarmos a população, voltaremos ao paraíso para os anjos, sem homens nem pecadores. Talvez Adão e Eva.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
José Sarney
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