Tô "grade"
O chamado grau de investimento alcançado pelo Brasil tem suscitado as opiniões mais divergentes entre políticos e técnicos. Uns dizem que é o céu, outros, o caminho do inferno. A notícia de que o Brasil passa a ser um país seguro e confiável para quem quiser investir é logo contraditada: isso vai nos tornar mais perdulários. Um articulista de renome chegou a sintetizar: "passamos do risco de calote ao risco de cassino". Associei essas visões a uma história de um meu tio-avô, que era muito pessimista e via em tudo o lado ruim. Uma vez, um vizinho seu ganhou na loteria e, com muita alegria, foi contar-lhe a boa nova. Eram 50 contos, uma fortuna naqueles bons tempos dos anos 30 do século 20. Meu tio-avô contestou-o: "Você não tem motivo nenhum de alegria. Meus pêsames. Foi uma desgraça que caiu em suas costas". E vai argumentação: "Agora você pensa que é muito rico e vai gastar mais do que o necessário; seus filhos não vão querer mais estudar porque são filhinhos de papai rico; seus parentes vão pedir-lhe dinheiro emprestado, e serão tantos que você não vai poder atendê-los, e eles brigarão, e esta briga vai estender-se a toda família, e em breve você vai ser odiado por todos, considerado mau parente e avarento. Enfim, uma desgraça". O vizinho ouviu tudo isso, ficou tomado de uma grande tristeza e saiu da casa do meu tio-avô tristíssimo porque tinha tirado na loteria. Agora leio que o grau de investimento vai trazer uma enxurrada de dólares, vai haver especulação, vamos ter muito dinheiro, o dólar vai baixar, as exportações vão entrar em crise e o Brasil -que está crescendo em meio a uma crise internacional- vai achar que é o tal e que, para conjurar essas "desgraças", deve intervir no Banco Central, mudar a política de juros, as regras do câmbio e controlar a entrada de capitais no país. O presidente Lula já disse que não. Está eufórico e deve ficar mais ainda. Invoca Napoleão quando perguntava a quem ia escolher para general se tinha sorte. Ele, por exemplo, está mais do que convicto, constatado pelo fatos, que tem. O presidente da Câmara disse que ele (presidente) nasceu com aquilo para a Lua; eu acho que foi para o Sol. Só quem viveu, como eu, a pão e água de investimentos e vinda de dólares para cá, cercado pelo mundo financeiro, num tempo de vacas magras, pode avaliar o quanto de êxito representam estas conquistas para o Brasil. E não há como creditá-las senão ao governo do presidente Lula. Dizia-me um amigo que o Brasil é o país mais legalista do mundo. Quando se quer saber se as coisas estão bem, pergunta-se: "Tá legal?". Agora as coisas vão mudar. Se alguém perguntar "tá legal?", a melhor resposta é "tô grade". Há motivos.
José Sarney é ex-presidente da República, senador do Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa
O chamado grau de investimento alcançado pelo Brasil tem suscitado as opiniões mais divergentes entre políticos e técnicos. Uns dizem que é o céu, outros, o caminho do inferno. A notícia de que o Brasil passa a ser um país seguro e confiável para quem quiser investir é logo contraditada: isso vai nos tornar mais perdulários. Um articulista de renome chegou a sintetizar: "passamos do risco de calote ao risco de cassino". Associei essas visões a uma história de um meu tio-avô, que era muito pessimista e via em tudo o lado ruim. Uma vez, um vizinho seu ganhou na loteria e, com muita alegria, foi contar-lhe a boa nova. Eram 50 contos, uma fortuna naqueles bons tempos dos anos 30 do século 20. Meu tio-avô contestou-o: "Você não tem motivo nenhum de alegria. Meus pêsames. Foi uma desgraça que caiu em suas costas". E vai argumentação: "Agora você pensa que é muito rico e vai gastar mais do que o necessário; seus filhos não vão querer mais estudar porque são filhinhos de papai rico; seus parentes vão pedir-lhe dinheiro emprestado, e serão tantos que você não vai poder atendê-los, e eles brigarão, e esta briga vai estender-se a toda família, e em breve você vai ser odiado por todos, considerado mau parente e avarento. Enfim, uma desgraça". O vizinho ouviu tudo isso, ficou tomado de uma grande tristeza e saiu da casa do meu tio-avô tristíssimo porque tinha tirado na loteria. Agora leio que o grau de investimento vai trazer uma enxurrada de dólares, vai haver especulação, vamos ter muito dinheiro, o dólar vai baixar, as exportações vão entrar em crise e o Brasil -que está crescendo em meio a uma crise internacional- vai achar que é o tal e que, para conjurar essas "desgraças", deve intervir no Banco Central, mudar a política de juros, as regras do câmbio e controlar a entrada de capitais no país. O presidente Lula já disse que não. Está eufórico e deve ficar mais ainda. Invoca Napoleão quando perguntava a quem ia escolher para general se tinha sorte. Ele, por exemplo, está mais do que convicto, constatado pelo fatos, que tem. O presidente da Câmara disse que ele (presidente) nasceu com aquilo para a Lua; eu acho que foi para o Sol. Só quem viveu, como eu, a pão e água de investimentos e vinda de dólares para cá, cercado pelo mundo financeiro, num tempo de vacas magras, pode avaliar o quanto de êxito representam estas conquistas para o Brasil. E não há como creditá-las senão ao governo do presidente Lula. Dizia-me um amigo que o Brasil é o país mais legalista do mundo. Quando se quer saber se as coisas estão bem, pergunta-se: "Tá legal?". Agora as coisas vão mudar. Se alguém perguntar "tá legal?", a melhor resposta é "tô grade". Há motivos.
José Sarney é ex-presidente da República, senador do Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa
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