A China e seu Dragão
Numa visita a Veneza, há muitos anos, o professor Lorenzo, da universidade local, de grande cultura geral, ao nos mostrar, na confluência de dois canais, um prédio histórico com um domo, disse-nos como se fosse uma informação preciosa: “Foi aqui que Marco Pólo mostrou à sociedade de Veneza o garfo, que tinha trazido da China.” Foi uma revolução de hábitos que invadiu o ocidente. Minha resposta a ele foi que, mesmo descobrindo o garfo, eles continuaram a comer com dois pauzinhos. Essa historieta pessoal e de circunstância me induz a falar do colosso chinês no momento em que a nossa Presidente visita aquele país. Quando falo da China, sempre deixo que minha imaginação reflita sobre a poderosa e multimilenar cultura chinesa e esse povo fundador da aventura do homem na face da terra. Hoje são bilhão e cerca de mais trezentos milhões, com grande parte do seu território desértico, falando mais de cem línguas, unificadas pela palavra escrita do mandarim, a conviver com uma história de espoliação, exploração, ocupações, massacres, saindo nos tempos modernos para ocupar dentro de algumas décadas o lugar de primeira potência mundial. A geração de velhos líderes chineses de quem fui amigo já foi embora, a começar pela figura inolvidável de Deng Xiaoping. Propus em seu tempo uma relação estratégica com a China e chegamos mesmo a assinar acordo de lançamentos de satélites de sensoriamento remoto em parceria de nossos países. Deng respondeu-me com franqueza que a confiança e a amizade dependiam de tempo e esse tempo não havia chegado. Em 1994, numa nova viagem à China, fui hóspede do Prefeito de Xangai e futuro Primeiro Ministro, Zhu Rongji, de quem fiquei amigo, e que me dizia que o tempo de trabalharmos juntos estava chegando. Agora Lula criou o Brics, com a ideia de juntarem-se os países emergentes, e a Presidente Dilma comparece a uma reunião importante para consolidar o grupo. Nossa Presidente não encontra problemas, num momento em que todos se protegem contra a invasão do comércio chinês — nós também — e o câmbio que insistem em manter baixo, tornando quase impossível a competição com o resto do mundo; mas nossa balança com eles é positiva, graças às commodities. Helmut Schmidt dizia-me que o século 21 será da Índia: os chineses não atravessaram o gargalo político nem a barreira dos ideogramas, enquanto os ingleses deixaram aos indianos o inglês, língua universal, e instituições políticas. Mas nossa Presidente vai dizer aquilo que estamos pensando: o Brasil também está na disputa de ser estrela no século 21.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
jose-sarney@uol.com.br
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