A velha Europa
Roma - Há alguns anos não voltava à Europa. Vejo-a deprimida, como numa sensação de crise insuperável, um pouco aquilo que viveu o Brasil durante muitos anos: o famoso abismo, "estamos à beira do abismo", que o nosso Jânio, no seu pernosticismo verbal, chamava de "dédalo". Desapareceu o brilho dos seus encantos. O contraste com o nosso ânimo é imediato. Saímos da euforia de um Brasil que cresce, em que há empregos e a auto-estima voltou e que já fala grosso nos fóruns mundiais. Portugal considera-se num beco sem saída. As exigências da União Européia são para que aperte o cinto, baixe os salários, reduza o déficit, corte os gastos, e o resultado é que as assustadoras agências de avaliação das economias dos países, sempre com alma de cassandras, fazem com que os títulos públicos portugueses estejam cada vez mais desvalorizados, já pagando juros de 8%, superados só pela Grécia com quase 10%. O presidente de Timor Leste, que estava em Lisboa, responsabiliza estas agências - empresas de "rating" - como abutres que especulam com a manipulação dessas avaliações, levando os países que têm de buscar financiamento nos mercados internacionais a pagar juros elevados. Freitas Nobre, antigo colaborador do ex-primeiro-ministro português, José Sócrates, diz que a crise é real mas não desesperadora. Por outro lado, o médico e monstro FMI é chamado e todos o recebem de cacete na mão. Converso com Mário Soares, este homem que envelhece cada vez mais reconhecido como grande estadista mundial, e ele me diz que a crise é mais política que econômica. Está sendo provocada pelo CDS-PP - partido que dá apoio ao presidente Cavaco Silva -, que derrubou o governo Sócrates, fez convocar eleições e agora não quer ganhá-las para não ter que resolver o grande abacaxi que atualmente é a economia portuguesa. Diz-me Mário Soares que a crise é da Europa toda, que vive a decadência num mundo que se renova com a China e os outros membros do Brics - Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Ressalta a falta de líderes na Europa, homens e mulheres, leia-se a chanceler Angela Merkel, sem as condições dos estadistas do passado, que superavam crises e guerras. Chego à Itália e aqui o Berlusconi diz que vai viver 120 anos, que não pretende ir para casa, que as meninas de que o acusam ter abusado recebiam apenas um gesto de ajuda para não caírem na prostituição. Assim está a velha Europa com os achaques do tempo e nós com os gargalos do êxito, lutando para não crescer e evitar a inflação, com dona Dilma brilhando de mão firme no timão.
Roma - Há alguns anos não voltava à Europa. Vejo-a deprimida, como numa sensação de crise insuperável, um pouco aquilo que viveu o Brasil durante muitos anos: o famoso abismo, "estamos à beira do abismo", que o nosso Jânio, no seu pernosticismo verbal, chamava de "dédalo". Desapareceu o brilho dos seus encantos. O contraste com o nosso ânimo é imediato. Saímos da euforia de um Brasil que cresce, em que há empregos e a auto-estima voltou e que já fala grosso nos fóruns mundiais. Portugal considera-se num beco sem saída. As exigências da União Européia são para que aperte o cinto, baixe os salários, reduza o déficit, corte os gastos, e o resultado é que as assustadoras agências de avaliação das economias dos países, sempre com alma de cassandras, fazem com que os títulos públicos portugueses estejam cada vez mais desvalorizados, já pagando juros de 8%, superados só pela Grécia com quase 10%. O presidente de Timor Leste, que estava em Lisboa, responsabiliza estas agências - empresas de "rating" - como abutres que especulam com a manipulação dessas avaliações, levando os países que têm de buscar financiamento nos mercados internacionais a pagar juros elevados. Freitas Nobre, antigo colaborador do ex-primeiro-ministro português, José Sócrates, diz que a crise é real mas não desesperadora. Por outro lado, o médico e monstro FMI é chamado e todos o recebem de cacete na mão. Converso com Mário Soares, este homem que envelhece cada vez mais reconhecido como grande estadista mundial, e ele me diz que a crise é mais política que econômica. Está sendo provocada pelo CDS-PP - partido que dá apoio ao presidente Cavaco Silva -, que derrubou o governo Sócrates, fez convocar eleições e agora não quer ganhá-las para não ter que resolver o grande abacaxi que atualmente é a economia portuguesa. Diz-me Mário Soares que a crise é da Europa toda, que vive a decadência num mundo que se renova com a China e os outros membros do Brics - Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Ressalta a falta de líderes na Europa, homens e mulheres, leia-se a chanceler Angela Merkel, sem as condições dos estadistas do passado, que superavam crises e guerras. Chego à Itália e aqui o Berlusconi diz que vai viver 120 anos, que não pretende ir para casa, que as meninas de que o acusam ter abusado recebiam apenas um gesto de ajuda para não caírem na prostituição. Assim está a velha Europa com os achaques do tempo e nós com os gargalos do êxito, lutando para não crescer e evitar a inflação, com dona Dilma brilhando de mão firme no timão.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
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