quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Senado Federal

Sarney comemora aniversário da Lei de Proteção ao Deficiente

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Senadores.

Há 34 anos, no dia 04 de julho de 1975, o Jornal do Brasil publicou uma carta escrita pelo jornalista e poeta maranhense, meu bom amigo, Odylo Costa, filho. E, como tudo o que Odylo escreveu e tudo o que ele tocava se transformava em poesia, de outro modo não aconteceu com esta carta reproduzida no livro "Meus meninos, os outros meninos", coletânea de textos organizada pelos filhos do Odylo e publicada pela editora Record em 1981, depois sua morte. O meu depoimento está nas orelhas do livro. Na carta Odylo reclamava do Presidente Geisel providências do Estado Brasileiro para o cuidado com os deficientes. Escreveu ele:

"Senhor Presidente: Conhecemo-nos há algum tempo. Servimos ambos ao mesmo Presidente Café Filho, Vossa Excelência, ainda Coronel, na Casa Militar, eu, já velho jornalista, como Secretário de Imprensa." "Além dessa circunstância, pertencemos a uma fraternidade maior, mais profunda. Vossa Excelência perdeu um filho; eu, dois. Não conheci o de Vossa Excelência; mas sua filha foi colega do meu rapaz, quando adolescentes, integravam o grupo mais homogêneo de estudantes que conheci até hoje […]"

Continuo citando Odylo: "O outro filho que perdi era uma menina, Senhor Presidente, uma criança excepcional que trouxe à nossa casa a alegria de um sorriso e de uma pureza que só aos anjos pertence. E a sombra perene em nosso quarto era a mesma que invade tantos lares no Brasil.""Quantos milhões de excepcionais há no Brasil? Um? Dois? Três? […] Mais do que o mar com os peixinhos, o céu com as estrelas […] Sabe Vossa Excelência quantos são assistidos? 96.256…"

O filho, Odylo Costa, neto, Odylo perdeu assassinado ainda muito jovem na Cidade do Rio de Janeiro. Em "Como dois braços de uma cruz", ele faz a representação maior de sua dor: "Mas digo que veio primeiro um braço, depois o outro da cruz. E então conheci – como quem recebe uma bofetada para acordar tão de repente – as duas mais amargas faces da desgraça da criança no Brasil. O delinqüente. O excepcional".

Na carta ao Presidente, Odylo indica três providências essenciais para assegurar, de fato, os direitos dos "deficientes de visão, de audição, físicos, mentais, com deficiências múltiplas": criar uma consciência coletiva, porque, lembra Odylo, "ninguém é culpado, mas todos são responsáveis"; criar os recursos necessários, porque, fala Odylo, "sem recursos, de nada adiantam as palavras"; e, por fim, criar um órgão que centralize, planeje e comande a execução de uma política nacional, em que convirjam os deveres inarredáveis do planejamento, saúde, justiça, trabalho, educação, previdência e assistência, porque, avisou Odylo, "o excepcional não pode ficar enclausurado nas estruturas de um Ministério só. Para integrá-lo na vida, hão de juntarem-se todas as forças do Poder Público. É o mutirão dos que inventam e agem."Odylo encerrou a lista de providências com um alerta: "Há que inventar soluções depressa. E agir mais depressa ainda".

Ele faleceu no dia 19 de agosto de 1979 e um ano antes havia sido promulgada, no dia 17 de outubro de 1978, a Emenda Constitucional número 12, de iniciativa do deputado Thales Ramalho. Ela, com apenas um artigo e quatro incisos, nasceu para dar às pessoas deficientes alguma garantia de igualdade. As recomendações do Odylo e a Emenda Constitucional número 12 – Emenda Thales Ramalho – formaram o conjunto que inspirou o meu governo a criar a lei 7.853, que segundo o boletim da BBC de 25 de agosto de 2004, é a melhor legislação das Américas no campo dos direitos dos deficientes. Uma experiência que completa vinte anos e que vale relatar.

A ONU chegou perto em dezembro de 2006, com a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, protocolo ratificado pelo Congresso Nacional Brasileiro, no dia 09 de julho de 2008. Quem se der ao trabalho de comparar, ponto a ponto, a 7.853 com a Convenção da ONU, terá a grata surpresa de se certificar de que o Brasil chegou antes do resto do mundo ao campo da garantia legal dos direitos dos deficientes. No dia 15 de março de 1985, assumi por obra do destino a Presidência da República, com várias obrigações e muitos desejos, um deles o de atender as recomendações do Odylo e de aperfeiçoar o trabalho que fizera o deputado Thales Ramalho. O desafio não era pequeno e, talvez, demais para o período curto de um governo, principalmente porque conscientização coletiva, primeira providência recomendada por Odylo, não é obra que se faça com rapidez, sem muita diligência. Ela é percepção simultânea, concomitante, que deve começar em alguns e se estender para todos.

Entreguei a tarefa inicial de mobilizar o governo a uma das filhas do Odylo, Teresa Costa d’Amaral. Com o apoio de outros representantes do governo e da sociedade civil, nasceu o Decreto Presidencial de 04 de novembro de 1985, que instituiu um comitê nacional formado por 47 pessoas, com a atribuição de elaborar um plano de ação conjunta destinado a aprimorar a educação especial e a integrar na sociedade as pessoas portadoras de deficiências. Em paralelo, seguia a elaboração da Carta Constitucional pelo Congresso transformado em Assembléia Nacional Constituinte. No campo dos debates, os direitos dos deficientes. O Dr. Saulo Ramos, naquele tempo Consultor Geral da República, relata o fato no livro "Código da Vida": Diz ele: "A Constituinte rolava agitada. Na Consultoria da República não se fazia mais nada: assessoria permanente aos parlamentares. Não me lembro quem teve a idéia, creio que foi a Dra. Tereza Helena, Consultora da República, de incluir nos direitos dos trabalhadores a proibição de qualquer discriminação ‘no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência’. Todos se dizem a favor, mas surgem as ponderações de ordem técnica [...]."

E continua o Dr. Saulo: "As lideranças dos deficientes físicos brasileiros são extremamente atuantes e de altíssima eficiência. Na época da Constituinte, andavam por lá. Não sabia bem o que deveria ser feito, mas alguma coisa devia ser feita." Neste ponto, ele cita Teresa Costa d’Amaral, filha de Odylo: "À frente, uma batalhadora incansável: a Sra. Teresa Costa d’Amaral [...]. Tinha entrada livre na Presidência da República. Recebi-a na Consultoria Geral da República".

O Dr. Saulo fala do seu espanto sobre a ausência de textos legais no campo dos direitos dos deficientes. Diz ele: "Revelou-me algo espantoso: o deficiente físico não tinha sequer um texto legal que falasse dele, que expressamente instituísse algum direito em seu favor e a forma de defendê-lo. As escusas políticas eram as de sempre: ‘Seus direitos estão assegurados nas garantias gerais do cidadão’; ‘Especificá-los seria discriminar’".E conclui: "Enquanto isso, as garantias gerais eram gerais, menos para o deficiente físico. Aquela conversa poderia servir para embalar o sono de uma boiada, mas não convencia minha desconfiada observação de advogado. No Brasil, se a lei não diz claramente, expressamente, detalhadamente; esperar que o direito surja de interpretação extensiva equivale a excluí-lo".

Em julho de 1986, estava pronto o trabalho do Comitê instituído pelo Decreto Presidencial e, com ele, nascia o Plano Nacional de Ação Conjunta para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Sustentado, mais adiante, pelos dispositivos da Constituição Federal, o Plano foi, na verdade, o embrião da Lei 7.853, que com alegria, promulguei no dia 24 de outubro de 1989, com o desejo de marcar o tema, no meu governo, com o ponto de não retorno. Está claro, portanto, que a lei 7.853 nasceu inspirada na vontade de Odylo, somada ao trabalho de coordenação de sua filha Teresa e à opinião e trabalho de todos os que quiseram opinar e trabalhar. Ela é também fruto da conscientização de muitos dos membros do meu governo e do Congresso Nacional. Resultado de ações que Odylo chamou "mutirão dos que inventam e agem".

A lei completa 20 anos e é, sem qualquer dúvida, marco que separa o tempo em que os deficientes eram simplesmente sombras guardadas em algum canto das casas, sem imagem e sem voz. Com ela iniciou-se um processo de significativa transformação social no Brasil. Pela primeira vez o Estado Brasileiro assumia de forma detalhada as suas obrigações constitucionais em relação às pessoas com deficiência. A lei criminalizou o preconceito e conferiu ao Ministério Público a tarefa de também defender os direitos coletivos das pessoas com deficiência. A partir da lei 7.853 respeitou-se o princípio de não criar normas específicas, que poderiam separar a cidadania pelo estabelecimento de categorias específicas e diferentes. Procurou-se apenas garantir a igualdade pelos princípios básicos que norteiam a democracia.

Leia o pronunciamento na íntegra...


    Neste sentido fala o Ministro Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, no livro Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, do IBAP, publicação de 1997: "Em 24 de outubro de 1989, foi promulgada a Lei nº 7.853 (...), instituindo "a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência, disciplinando "a atuação do Ministério Público" e definindo "crimes". E, reafirma: "Trata-se, sem dúvida, da legislação mais avançada e completa em todo o mundo em matéria de proteção às pessoas portadoras de deficiência. É verdade que a lei ainda não venceu todo o caminho que lhe foi determinado vencer. Afinal, também não se deu ainda, por completo, a conscientização coletiva desejada por Odylo. Mas a lei 7.853 é trabalho pronto, que como todo trabalho pronto precisa, vez por outra, de aperfeiçoamento sem perder a sua essência. Por exemplo, criamos, na Presidência da República, a CORDE, órgão de coordenação interministerial, com a tarefa de promover e agilizar as ações do governo na política dirigida às pessoas com deficiência. O órgão, infelizmente, ao longo dos anos, foi deslocado de um lado para outro na organização administrativa dos sucessivos governos, perdendo a força para cumprir suas funções iniciais e tornando-se uma repartição sem a importância e a visibilidade que o problema exige.Mas a lei 7.853 é porto e é farol, porque garantiu, de imediato, ao nascer, alguma segurança, e ao longo do tempo de sua existência seguirá estendendo as conquistas que prescreveu no seu nascimento. O melhor modo de encerrar o meu pronunciamento é com a transcrição dos termos de abertura da Exposição de Motivos elaborada pelo Ministro Saulo Ramos, quando ele me apresentou o projeto que, mais adiante, depois de ouvido o Congresso Nacional, promulguei como Lei 7.853. São palavras de grande atualidade, que servem como alavanca para o trecho que ainda falta à lei caminhar:

    Diz a Exposição de Motivos: "A solidariedade social é de todos para com todos, porque iguais em direitos. Preexiste ao Estado. A civilização de nossos dias, que varreu da cultura política as discriminações espartanas, não vê, nem admite, diferenças pela eficiência ou deficiência física do ser humano, precisamente porque se reconciliou com as leis mais antigas, as leis imemoriais e não escritas, mas inquebrantáveis, que reportam à origem da criação do homem. Não pode haver diferença entre os homens porque da mesma essência os fez o direito natural".E, com toda a força que tem o significado de igualdade social, afirma: "Assim, não haverá diferença entre o Estado e o direito dos homens, porque aquele é criatura a estes são os criadores. Deve, pois, o Estado, corrigir imediatamente todas as distorções que levem à sonegação de oportunidades entre os homens, porque tem o deve de agir de acordo com seu princípio essencial. Isto é, a origem humana, e transformar em regra de direito as aspirações coletivas, porque o próprio Estado foi uma delas e não pode descurar-se das outras".No aniversário de 20 anos da lei 7.853, cumprimento aqueles que, ao meu lado, foram fundamentais ao trabalho de sua elaboração e presto mais uma vez minha homenagem ao meu querido amigo Odylo Costa, filho, que a inspirou e me deu a força de realizá-la.

    Muito obrigado.

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