quarta-feira, 8 de maio de 2013

Desde o Império, Senado trabalha pela manutenção da estabilidade


Dom Pedro II dizia que, se não fosse monarca, gostaria de ser senador. Apesar de o Poder Legislativo do Brasil ter sido criado em 1823, Senado só passou a funcionar em 1826
NA sexta-feira, o Parlamento brasileiro completou 190 anos. O Poder Legislativo nasceu no dia 3 de maio de 1823, no Rio de Janeiro, na sessão solene de instalação da Assembleia Geral, Legislativa e Constituinte do Império do Brasil.
Foi um dos momentos marcantes da história nacional. O Brasil havia se tornado independente de Portugal no ano anterior. Dom Pedro I, que com o grito do Ipiranga deixava de ser príncipe regente para se tornar imperador, tratava de organizar as instituições políticas do novo país. A missão do Parlamento era redigir a primeira Constituição.
Aquele Parlamento, no entanto, duraria pouco. No anteprojeto da Constituição, os parlamentares previam que o imperador teria de submeter todos os seus atos ao Poder Legislativo. Dom Pedro I, contrário à ideia, reagiu.
Ordenou às tropas que invadissem a Assembleia Constituinte. O episódio ficou conhecido como Noite da Agonia.
Dom Pedro I, então, criou uma comissão com gente de sua confiança para propor um texto constitucional. Em 1824, ele outorgava a primeira Constituição do Brasil. A vida política se dividiria entre quatro Poderes: o Executivo, o Judiciário, o Legislativo e o Moderador, este último garantindo poderes absolutos ao monarca.
A Constituição previa que o Poder Legislativo seria composto pelo Senado e pela Câmara dos Deputados.
Ontem as duas Casas completaram 187 anos. A sessão inaugural da Assembleia Geral (equivalente hoje ao Congresso Nacional), no Paço do Senado, aconteceu no dia 6 de maio de 1826.
Vitalício
O Senado de hoje não tem muita coisa em comum com o Senado do Império. Naquela época, o posto era vitalício. Os senadores só eram substituídos quando morriam ou renunciavam. Na Câmara dos Deputados, ao contrário, o mandato era temporário.
O visconde de Taunay (1843-1899), um dos senadores do período de dom Pedro II, escreveu:
“Vitalícios como eram, os senadores do Império acabavam necessariamente amigos, quase parentes, ao fim de dez, 20, 30 anos de intimidade. As divergências políticas não conseguiam estabelecer inimizades duradouras entre os velhos representantes do povo.”
Para tornar-se senador, o político precisava já ter completado 40 anos — hoje a idade mínima é de 35 anos —, dispor de no mínimo 800 mil réis de renda anual e ser “pessoa de saber, capacidade e virtudes”.
Os senadores do Império eram escolhidos pelo monarca, a partir de cada uma das listas tríplices de candidatos eleitos nas províncias por votação indireta e majoritária. Cada província elegia um número de senadores correspondente à metade do número de deputados.
Por ser composto de pessoas mais velhas, o clima era mais sereno no Senado do que na Câmara. Escreveu Machado de Assis (1839-1908), que, além de romancista, foi cronista político:
“No Senado, (...) falavam geralmente melhor que na outra Câmara. Mas não havia barulho. Tudo macio. O estilo era tão apurado, que ainda me lembro certo incidente que ali se deu, orando o finado Ferraz (...). Creio que era então ministro da Guerra, e dizia, referindo-se a um senador: ‘Eu entendo, senhor presidente, que o nobre senador não entendeu o que disse o nobre ministro da Marinha, ou fingiu que não entendeu’. O visconde de Abaeté, que era o presidente, acudiu logo: ‘A palavra fingiu acho que não é própria’. E o Ferraz replicou: ‘Peço perdão a Vossa Excelência, retiro a palavra’. ”
Parlamentarismo
O Senado teve papel de destaque no Segundo Império. O próprio dom Pedro II dizia que, se não fosse monarca, gostaria de ser senador. A Casa funcionava como mantenedora da estabilidade do país.
Em 1847, dom Pedro II assinou um decreto que criava a presidência do Conselho de Ministros, um parlamentarismo inspirado no modelo inglês. Em vez de escolher todos os seus ministros, o imperador selecionava apenas o presidente do conselho — o primeiro-ministro —, que era quem escolhia os demais ministros de seu gabinete. Até a proclamação da República, em 1889, os primeiros-ministros foram quase todos senadores.
Ainda no Segundo Reinado, o Senado teve participação fundamental nas questões externas do Brasil. Aprovou as declarações de guerra e os orçamentos para as batalhas contra o Paraguai, a Argentina e o Uruguai. Na crise entre o Brasil e a Inglaterra por causa do tráfico de escravos, foi primordial a negociação feita pelo Senado, que levou à aprovação das Leis Eusébio de Queiroz, de 1850, proibindo o tráfico, e Nabuco de Araújo, de 1854, punindo severamente aqueles que apoiassem o ­comércio negreiro.
Lei Áurea
Em 1888, o senador Rodrigo Augusto da Silva, ministro da Agricultura, apresentou o projeto que previa a abolição da escravidão no Brasil. Na Câmara, teve apenas 12 votos contrários. No Senado, somente cinco. No dia 13 de maio, a princesa Isabel sancionou a Lei Áurea.
Com a derrubada do Império e a proclamação da República, o posto de senador deixou de ser perpétuo. Mesmo com a mudança política, o Senado não perdeu o protagonismo. Tornaram-se presidentes da República senadores como Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Afonso Pena, Nilo Peçanha, Venceslau Brás, Delfim Moreira e Washington Luís.
Os piores momentos do Senado foram durante o governo Getúlio Vargas. Em 1934, com uma nova Constituição, o Senado teve suas competências limitadas, tornando-se um mero colaborador da Câmara dos Deputados. O número de senadores por estado foi reduzido de três para dois. Em 1937, com mais uma Constituição, o Senado foi extinto. Iniciava-se a ditadura do Estado Novo. No Palácio Monroe, onde funcionava o Senado, foi instalado o Ministério da Justiça, que respondia pela censura e pela propaganda oficial.
Trajes de um senador do Império, pintados pelo francês Jean-Baptiste Debret
Muitos (senadores) vinham em carruagem própria (...) começando pelo mais velho, que era o Marquês de Itanhaém. A idade deste fazia-o menos assíduo, mas ainda assim era-o mais do que cabia esperar dele. Mal se podia apear do carro, e subir as escadas; arrastava os pés até à cadeira que ficava do lado direito da mesa. (...) A figura de Itanhaém era uma razão visível contra a vitaliciedade do Senado, mas é também certo que a vitaliciedade dava àquela casa uma consciência de duração perpétua, que parecia ler-se no rosto e no trato de seus membros. Tinham um ar de família, que se dispersava durante a estação calmosa, para ir às águas e outras diversões e que se reunia depois, em prazo certo, anos e anos. Alguns não tornavam mais, e outros novos apareciam; mas também nas famílias se morre e nasce. Dissentiam sempre, mas é próprio das famílias numerosas brigarem, fazerem as pazes e tornarem a brigar (...). Já então se evocavam contra a vitaliciedade do Senado os princípios liberais como se fizera antes. Algumas vozes vibrantes cá fora calavam-se lá dentro, é certo, mas o gérmen da reforma ia ficando, os programas o acolhiam, e, como em vários outros casos, os sucessos o fizeram lei.

Machado de Assis, escritor ecomentarista político, em O Velho Senado (1896)
Ditadura militar
A Casa só voltaria a funcionar em 1946, após a queda de Getúlio — curiosamente, o ex-presidente logo depois se elegeria senador.
Até os anos 60, o vice-presidente da República ocupava automaticamente a Presidência do Senado, conforme o modelo adotado nos Estados Unidos.
O Senado já teve 63 presidentes. Ao todo, foram 69 gestões. Enquanto alguns senadores foram presidentes por apenas um ano, outros tiveram mais de um mandato — José Sarney (PMDB-AP), por exemplo, foi quatro vezes presidente do Senado.
Os anos da ditadura militar (1964–1985) foram difíceis para o Poder Legislativo. O ex-presidente Juscelino Kubitschek foi um dos senadores que tiveram os direitos políticos cassados pelo regime. Senadores como Franco Montoro mostraram coragem de subir à tribuna para defender a democracia. Prevendo uma vitória do MDB (oposição) nas eleições de 1978, o presidente Ernesto Geisel fechou o Congresso Nacional por duas semanas e mudou as regras eleitorais. Ele criou a figura do “senador biônico” — um em cada três senadores passou a ser eleito indiretamente pelas assembleias legislativas dos estados —, o que garantiu mais assentos à Arena (governo).
Em 1979, o presidente João Figueiredo assumiu o poder dizendo que manteria o processo de abertura política. O Congresso Nacional aprovou a Lei da Anistia, que beneficiou cidadãos que haviam sido perseguidos pela ditadura, o pluripartidarismo foi reinstituído, os governadores passaram a ser eleitos diretamente e a figura do “senador biônico” foi extinta. A oposição surpreendeu ao conseguir a maioria da Câmara nas eleições de 1982, mas no Senado os governistas fizeram a maioria.
Em 1985, o ex-senador Tancredo Neves foi eleito presidente da República por um colégio eleitoral. Ele morreu antes de assumir o poder. Seu vice, o hoje senador José Sarney, assumiu o Palácio do Planalto, marcando a volta da democracia.
Nos últimos anos, além de propor, discutir e votar projetos de lei importantes para o país, o Senado tem se destacado pela luta contra a corrupção. O principal instrumento são as comissões parlamentares de inquérito (CPIs). A CPI dos Bingos e a CPI do Judiciário estão entre as mais conhecidas.
Transparência
A transparência é outra marca do Senado. A Casa dispõe de televisão, rádio, jornal e agência de notícias, para que os cidadãos se inteirem dos trabalhos legislativos. Para apresentar à Casa opiniões, queixas e ­sugestões, eles podem utilizar o serviço Alô Senado (0800  612211) e a Ouvidoria (www.senado.leg.br/ouvidoria).
Neste ano, o controle por parte da população foi ampliado, em razão da criação da Secretaria da Transparência e da instalação do Conselho de Transparência, com integrantes da sociedade especializados no tema.
— Nenhum Poder será mais transparente que o Parlamento — afirma o atual presidente do Senado, Renan Calheiros.
Ao longo de seus 187 anos, o Senado teve três sedes distintas. A primeira foi o Palácio do Conde dos Arcos, nas imediações do Campo de Santana, no Rio, onde se realizou a sessão inaugural de 6 de maio de 1826. No local, hoje funciona a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Em 1925, o Senado foi transferido para o Palácio Monroe, também no Rio.
Em 1960, com a mudança da capital federal para Brasília, o Senado passou a funcionar no mítico edifício com as duas cúpulas e as torres-gêmeas projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer na Praça dos Três Poderes.
Jornal do Senado

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Acompanhe

Clique para ampliar