A guerra está declarada. É sanguinolenta como um confronto de foice no escuro, onde vale tudo, principalmente golpe baixo e chantagem em todas as direções. Por isso a Avenida Paulista entrou em ação e recorreu a um de seus arautos na mídia, o jornal Valor, que soltou a matéria “É hora de repensar a Zona Franca de Manaus”, acusando o modelo de travar a reforma fiscal e abocanhar os benefícios fiscais de 20 estados brasileiros e seus respectivos municípios. Um golpe de intimidação, distorção e má-fé. “Um dos principais obstáculos para a aprovação da reforma do Imposto sobre Circulaçã o de Mercadorias e Serviços (ICMS) é a reivindicação do Estado do Amazonas de manter a alíquota interestadual de 12% para os produtos da Zona Franca de Manaus (ZFM).”, diz o mensageiro da provocação. O documento no qual se baseia o Valor é de uma suposta e “inocente” consultoria do Senado: “.... um estudo segundo o qual 32,5% dos benefícios tributários concedidos à ZFM não são custeados pelo governo federal, mas pelos próprios Estados e municípios.” Uma deslavada deturpação dos fatos. Não há custeio da ZFM, há renúncia, onde o governo deixa escapar por um lado sua compulsão arrecadatória e ganha por outro, fazendo da renúncia medida compensatória, generosamente compensatória e tecnicamente demonstrável.
Dados contundentes
Dados contundentes
Esta compensação ocorre porque a maior parte ( quase 55%) dos resultados alcançados pelos benefícios fiscais voltam para o cofre da União. De toda a riqueza produzida por empresas industriais na Zona Franca de Manaus (ZFM), a parte do leão é destinada ao governo. Em uma pesquisa feita na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP,http://www.usp.br/agen/?p=11576 – USP hoje) foram analisados os efeitos que os incentivos fiscais concedidos a indústrias instaladas na ZFM têm na distribuição de riquezas entre funcionários, proprietários e governo. Segundo dados obtidos pelo pesquisador Jorge de Souza Bispo, autor da tese Criação e Distribuição de riqueza pela Zona Franca de Manaus, de toda a riqueza produzida por indústrias da ZFM, 54,42% vão para o governo, 27,28% são distribuídas entre os empregados e apenas 1,82% ficam com os proprietários das empresas. Em compensação, no restante do País o governo recebe 41,54% de toda a riqueza produzida, os empregados ficam com 36,31% e os empresários com 6,44%. Para Jorge Bispo, “foi uma conclusão surpreendente, pois mesmo com os incentivos fiscais, as empresas da ZFM geram em média 31% de riqueza sobre o faturamento, enquanto as situadas fora da ZFM criam aproximadamente 50% de riqueza. Isso pode ser explicado, já que a ZFM é uma grande consumidora. Dois terços de todo o faturamento representa compras feitas no exterior ou no resto do País. É um paradoxo um modelo como a ZFM distribuir mais para o governo, que deixa de arrecadar dinheiro com as isenções fiscais”. Essa evidência contesta a inferência dogmática fundada em dados sem comprovação segundo a qual “ Da receita do IPI, 58% são destinados aos fundos de participação de Estados e municípios e aos fundos constitucionais. Assim, a concessão de benefício tributário com base nesse tributo impacta a receita dos governos estaduais e prefeituras, principalmente das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, segundo o estudo, de autoria do consultor Ricardo Nunes de Miranda.”. Ora, se não existisse a ZFM – como pretendem seus desafetos - não haveria renúncia, portanto a concessão do beneficio seria a mesma, de que reclama o tal consultor, que não menciona o quanto é repassado para os cofres federais pela ZFM comparativamente a todos os Estados da Região Norte. “Com base na atual distribuição dos recursos dos fundos de participação de Estados e de municípios e dos fundos constitucionais (FNO, FNE e FCO), Miranda estima que a isenção de IPI na ZFM em 2010, projetada em R$ 8,8 bilhões, retirou cerca de R$ 2,6 bilhões do orçamento dos 20 Estados e dos 2.288 municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e dos três fundos constitucionais de financiamento e os destinou às 432 empresas instaladas na ZFM.” Eis outro sofisma, pois o Estado recolhe mais do que recebe numa média anual de R$ 2,5 bilhões nos últimos anos. Segundo a Receita Federal, o Amazonas recolheu R$ 6 283 046 181,11 em 2012 e recebeu o total de R$ 3 918 321 477,20, tendo como superávit a importância de R$ 2 364 727 703,91. O estudo entre aspas é tendencioso, propositalmente omisso, e estatisticamente aloprado. É falaciosa a informação “...em relação ao exercício de 2008, onde o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que 54% dos incentivos fiscais destinados ao desenvolvimento regional sob responsabilidade da Sudam foram aplicados em Manaus.”. A Zona Franca é de Manaus, mas ela atua em toda a Amazônia Ocidental e inclui Amapá-Santana, área em que são aplicados os incentivos da sigla ZFM. O “estudo” esqueceu que R$ 18 bilhões são arrecadados em forma de PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). A rigor, a renúncia fiscal realmente seria de apenas R$ 6 bilhões. A ZFM não beneficia só o Amazonas, mas o Brasil, os brasileiros que consomem os produtos fabricados aqui. Portanto, é preciso rever o discurso raivoso da renúncia, e olhar de outro prisma a paranoia da prorrogação. E se as empresas aqui instaladas, comprovadamente arrecadam menos que em outros arranjos industriais do país, elas patrocinam duas vezes o orçamento da UEA, no fundo criado para sua manutenção, pagam os programas regionais de Pesquisa e Desenvolvimento e os fundos estaduais de turismo e fomento municipal, que permitiram, por exemplo, financiar os projetos de cadeias produtivas no interior, com mais de R$ 100 milhões de investimentos. É hora de repensar o modelo ZFM, sim, mas na linha de aperfeiçoamento de seus acertos, reconhecimento de seus benefícios e suspensão do jogo s ujo e de má-fé da distorção de seu desempenho.
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta. alfredo.lopes@uol.com.br
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