O perigo do telefone
Quando da mudança da capital do Rio para Brasília, a reação foi ultra-enlouquecida, atingindo todos os aspectos. Gustavo Corção, quando viu o projeto de Lúcio Costa, denunciou: "está errado, esse lago não vai encher". E outro fanático vaticinou: as "comunicações não vão funcionar, as ondas de rádio não atravessam o cerrado". O lago do Paranoá encheu, mas as comunicações eram péssimas. Os telefones falavam mal. As ligações não eram completadas e, quando aconteciam, caíam em outros números e se ouviam sempre conversas cruzadas, dando margem à circulação de fofocas e mexericos. Adauto Cardoso -não falo dele sem lembrar o homem admirável que foi- definiu logo: "em Brasília não se fala ao telefone, fala-se num simpósio". Tudo isso são curiosidades artesanais, a considerar as revelações da CPI dos grampos. Hoje, só a PF tem até maio 5.813 telefones grampeados com autorização judicial. Se colocarmos as polícias estaduais, detetives particulares, maridos e mulheres ciumentos, espionagem industrial e outras coisas mais, chegaremos a mais de 1 milhão de pessoas escutadas. Nos Estados a coisa é mais primária. Várias unidades da federação criaram Abins, inclusive o Maranhão, todas têm o famoso Guardião, o software com capacidade para fazer mais de 600 interceptações simultâneas, e já está no mercado uma nova versão ultramoderna, para gravar, além de conversas, e-mails, mensagens de MSN, VoIP, Skype, texto de celular, Nextel e toda essa parafernália da internet e de comunicação via satélite. O grande jornalista Janio de Freitas, com sua insuspeita autoridade, desconfiou nesse boom do grampo de "influência eleitoral", uma espécie de polícia política sofisticada. Um executivo da TIM Celular, Delmar Nicoleti, confessa que o "crescimento dos grampos é assustador". O doutor Antônio Bigonha, da Associação Nacional dos Procuradores da República, pede "cautela com esse procedimento". Hoje, no mundo inteiro, sabe-se que os direitos individuais estão destruídos e a privacidade é zero. A cidadania caminha para a ficção. O ministro Thomaz Bastos, no seu tempo, viu o problema com bastante lucidez e preparou uma legislação de prudência e salvaguardas. Não conseguiu. Mas o pior está para chegar. Com a velocidade das descobertas científicas, vem aí um software de ler pensamentos. Então, o homem terá de ser mudo e burro. Não falar, não ouvir e não pensar, pois tudo estará grampeado. Como chamar esses tempos? Grampocracia.
Quando da mudança da capital do Rio para Brasília, a reação foi ultra-enlouquecida, atingindo todos os aspectos. Gustavo Corção, quando viu o projeto de Lúcio Costa, denunciou: "está errado, esse lago não vai encher". E outro fanático vaticinou: as "comunicações não vão funcionar, as ondas de rádio não atravessam o cerrado". O lago do Paranoá encheu, mas as comunicações eram péssimas. Os telefones falavam mal. As ligações não eram completadas e, quando aconteciam, caíam em outros números e se ouviam sempre conversas cruzadas, dando margem à circulação de fofocas e mexericos. Adauto Cardoso -não falo dele sem lembrar o homem admirável que foi- definiu logo: "em Brasília não se fala ao telefone, fala-se num simpósio". Tudo isso são curiosidades artesanais, a considerar as revelações da CPI dos grampos. Hoje, só a PF tem até maio 5.813 telefones grampeados com autorização judicial. Se colocarmos as polícias estaduais, detetives particulares, maridos e mulheres ciumentos, espionagem industrial e outras coisas mais, chegaremos a mais de 1 milhão de pessoas escutadas. Nos Estados a coisa é mais primária. Várias unidades da federação criaram Abins, inclusive o Maranhão, todas têm o famoso Guardião, o software com capacidade para fazer mais de 600 interceptações simultâneas, e já está no mercado uma nova versão ultramoderna, para gravar, além de conversas, e-mails, mensagens de MSN, VoIP, Skype, texto de celular, Nextel e toda essa parafernália da internet e de comunicação via satélite. O grande jornalista Janio de Freitas, com sua insuspeita autoridade, desconfiou nesse boom do grampo de "influência eleitoral", uma espécie de polícia política sofisticada. Um executivo da TIM Celular, Delmar Nicoleti, confessa que o "crescimento dos grampos é assustador". O doutor Antônio Bigonha, da Associação Nacional dos Procuradores da República, pede "cautela com esse procedimento". Hoje, no mundo inteiro, sabe-se que os direitos individuais estão destruídos e a privacidade é zero. A cidadania caminha para a ficção. O ministro Thomaz Bastos, no seu tempo, viu o problema com bastante lucidez e preparou uma legislação de prudência e salvaguardas. Não conseguiu. Mas o pior está para chegar. Com a velocidade das descobertas científicas, vem aí um software de ler pensamentos. Então, o homem terá de ser mudo e burro. Não falar, não ouvir e não pensar, pois tudo estará grampeado. Como chamar esses tempos? Grampocracia.
*José Sarney é ex-Presidente da República, senador do Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa
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