Um erro na Providência
José Sarney é ex-Presidente da República, senador do Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa
mailto:Jjose-sarney@uol.com.br
O conceito e a idéia das Forças Armadas estão ligados indissoluvelmente à existência do Estado. As próprias finalidades deste último legitimam a manutenção de forças organizadas com o propósito de tornar efetiva a soberania e de enfrentar conflitos. Para isso, elas terão de ser capazes de garantir a própria existência do país e de enfrentar ameaças externas. Daí a necessidade de serem modernas, profissionalizadas, com salários dignos e recursos humanos bem preparados. A nossa Constituição diz, em seu artigo 142, que elas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constituídos e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Na parte relativa à segurança pública e ao combate ao crime, a mesma Constituição detalha quais os órgãos responsáveis: Artigo 144: "I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V -polícias militares e corpos de bombeiros militares". Assim, está bem definido o que devem fazer as Forças Armadas e os órgãos policiais. Mas há uma cultura nacional de colocar as Forças Armadas, principalmente sua força terrestre, o Exército, em missões outras que não lhe competem. Da mesma maneira que já atravessamos a fase do militarismo, isto é, agregar poder político aos militares, o que determinou as famosas missões salvacionistas, devemos também ultrapassar esta, de colocar as Forças Armadas como polícia, função para a qual não estão adestradas nem é sua missão. Alguns países, sentindo a necessidade de órgãos mais especializados no combate ao crime, criaram uma força militar de segurança, com organização especial para distúrbios, desordens e situações críticas de segurança interna. São os Carabineiros na Itália, a Gendarmerie na França e muitos outros. A recém-criada Força Nacional pode ser o embrião desse caminho. O Exército Brasileiro tem uma função específica. É força de dissuasão para emprego externo, segurança nacional e situações internas de perigo institucional. Transformá-lo do dia para a noite em panacéia que tudo resolve é comprometê-lo. Como no passado, na luta pela Abolição, ele recusou-se a ser capitão-do-mato, prendendo escravos fugidos, agora não pode ser guarda-costas de empreiteiros cercados por traficantes de drogas. Esse foi o grande erro no morro da Providência, em que um tenente, servido de um temperamento problemático, provocou essa tragédia. Fique o exemplo, a punição dos culpados e resguarde-se o Exército para a nobre e grande missão que tem.
José Sarney é ex-Presidente da República, senador do Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa
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