segunda-feira, 2 de junho de 2008

Senado Federal


Sarney aponta especulação financeira e preço do petróleo como causas do aumento do preço dos alimentos

Ao analisar a alta do preço dos alimentos em todo o mundo, o senador José Sarney (PMDB-AP) apontou, entre as principais razões para o fenômeno, o aumento do preço do petróleo, que eleva o custo de transporte dos alimentos e dos insumos agrícolas, e a especulação financeira.
Sarney lembrou que o custo do diesel, apesar de ter o preço controlado pelo governo, dobrou em sete anos, enquanto os fertilizantes subiram, só no último ano, no país, 41%. No mercado mundial, salientou, os aumentos do cloreto de potássio, usado em fertilizantes, chegaram a 90%, enquanto outras fórmulas tiveram aumento de até 150%. O custo da importação desses produtos, no Brasil, deverá ser da ordem de US$15 bilhões.
O senador informou que governo está criando um grupo de trabalho para estudar o problema, observando que são necessárias tanto medidas a curto prazo como soluções de longo prazo. Essas podem vir, em sua opinião, com a exploração das jazidas brasileiras, como a de potássio, de Nova Olinda, às margens do Rio Madeira.
- É uma operação complexa, de alta profundidade, mas o preço de US$ 600, a tonelada, tem justificado os investimentos - disse Sarney, lembrando ainda as possibilidades de aproveitamento do gás natural excedente na Amazônia.
Referindo-se a outra causa da alta do preço dos alimentos - a especulação financeira -, Sarney lembrou que o mercado de futuro da Bolsa de Chicago já negociou 22 safras. Sarney debitou esse fato na conta do que chamou de "esse mundo virtual financeiro que se criou" com a globalização financeira e recordou Helmut Schmidt, chanceler da Alemanha de 1974 a 1982, o qual lhe teria dito, certa vez, que a economia de papéis corresponde a 20% do que é a economia real.
- É de assustar a bolha de ações e hipotecas que se formam sobre ativos diminutos ou ativos de alto risco. O mercado lançou-se num processo desenfreado em torno de apostas em preços de futuro. O petróleo voou como um foguete e fez dobrar o seu preço em um ano. Com o ouro aconteceu a mesma coisa. O chumbo também subiu mais ainda. E, aí, está o absurdo: o trigo, o leite, o arroz, todos os produtos cuja produção aumentou mais do que a demanda foram atingidos pela regra do comércio especulativo. Colocamos em risco, assim, a sobrevivência de populações inteiras, as dos países mais pobres, que não são capazes de produzir seus alimentos - alertou o senador.
Sarney citou dados da FAO para refutar a tese de que a inclusão da China e da Índia no mercado consumidor de alimentos é responsável pelo encarecimento da comida, assinalando que esses dois países aumentaram suas produções nos últimos anos. Tampouco a produção dos biocombustíveis pode ser responsabilizada pelo aumento dos preços dos alimentos, disse Sarney. Ele citou dados mostrando que embora os Estados Unidos tenham aumentado a área plantada de milho, para produção de etanol, a produção de outros cereais não caiu e, no Brasil, a área utilizada para a produção de cana-de-açúcar não é tomada de outras culturas.
- O problema do preço do alimento, portanto, não se explica simplesmente pela incorporação de um mercado consumidor nos dois grandes países. Por outro lado, também, não se explica pela experiência do biocombustível - avaliou.
Sarney lembrou reunião do InterAction Council, um conselho mundial de ex-presidentes, realizada há 13 anos, em Xangai, em que foi discutido o balanço entre população e alimentos no mundo, afirmando que as recomendações feitas então continuam atuais, como se elaboradas no dia anterior. As recomendações apontam, segundo Sarney, para a necessidade, sobretudo, de uma solidariedade internacional para enfrentar o problema, a qual não se deve resumir à ajuda de doação de alimentos, mas se estender a vários outros pontos, como os níveis de consumo dos países mais ricos.
Sarney defendeu, como parte da solução para o problema, além do fortalecimento da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) - que atualmente, em sua opinião, é desprestigiada -, o aumento dos estoques reguladores mundiais, hoje na ordem de um quarto da safra. Além disso, afirmou, é preciso cobrar dos Estados-membros das Nações Unidas, sobretudo dos que mantêm grandes subsídios agrícolas, como a União Européia e os Estados Unidos, que atuem em seus mercados com os seus próprios estoques reguladores, de maneira a conter a globalização na escalada de preços. O crescimento da população mundial, salientou o senador, deve continuar até meados deste século, chegando a 10 bilhões de habitantes. Antes que a população comece a declinar, opinou, é possível evitar a dizimação pela fome, mas, para isso, é necessária a cooperação internacional em que cada país faça a sua parte.
Na opinião de Sarney, o Brasil tem um papel importante na solução do problema alimentar em nível mundial, já que pode triplicar sua produção de alimentos aumentando a área plantada em 3,5% nas áreas de cerrado ou convertendo 1,5% das pastagens atuais, por exemplo.

Da Redação / Agência Senado
Para ler o pronunciamento completo, acesse:
Para ver o vídeo, acesse os links abaixo:
Resumo do discurso do Senador José Sarney, “Alimentos que faltam”, pronunciado em 2 de junho de 2008 no plenário do Senado Federal

A crise de alimentos não pegou o mundo de surpresa. Malthus há mais de 200 anos demonstrou que a população cresce em ritmo geométrico enquanto que a oferta de alimentos avança em escala aritmética, o que significa que a fome é o fator de equilíbrio entre a oferta e a demanda de alimentos. Na ONU, em 1985, eu já pleiteava a criação de um organismo internacional eficiente contra o problema da fome.
O elemento positivo dentre as causas da crise é a entrada dos chineses e indianos no mercado de consumo de alimentos. E a demanda deve aumentar, à medida que aqueles povos reduzam a sua pobreza. Infelizmente, a fome também aumentou, como demonstram as revoltas no Haiti, Egito e Bangladesh.
A história do alimento é a história do homem. A sua evolução ao longo da história está ligada à sua capacidade de alimentar-se melhor do que os seus competidores. Isto se repetiu desde o homo erectus até os cro-magnons, passando pelos neandertais. Com o início da criação de animais e o cultivo de plantas, há 11 mil anos, a população humana explodiu e a espécie espalhou-se pelo mundo. A agricultura aumentou em 100 vezes a capacidade de gerar alimentos. O homem pôde organizar-se em sociedades complexas, seguindo o padrão em que mais calorias geravam mais população, com a conseqüente expansão. Com o tempo, o homem transformou 90% da biomassa em terras cultivadas.
O outro lado da história é a fome. Registram-se fomes no Egito desde o século XXII a.C. Alguém contou 1.800 fomes na China até o começo do século XX. No século XIX, foram mais de 120 milhões de mortos naquele país, e a fome ocorrida durante o “Grande Salto Adiante” cobrou mais de 20 milhões de vidas. Ao lado destes grandes episódios, há também a fome que atinge os pobres em todo o mundo, como se vê em países ricos que distribuem sopa em bairros pobres.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), nos últimos 20 anos a produção de cereais passou de 1,83 para 2,22 bilhões de toneladas (aumento de 21%), a de batata, de 280 para 315 milhões de toneladas (aumento de 12%), e a de carne, de 159 para 272 milhões de toneladas (aumento de 71%). O acréscimo foi considerável, como também o da população mundial, de 5 para 6,5 bilhões de pessoas (aumento de 30%). A conta é apertada, portanto.
Convém notar que China e Índia também ampliaram a sua produção de alimentos, razão pela qual a crise atual não pode ser explicada apenas pela incorporação daqueles países ao mercado de consumo.
O surgimento do biocombustível tampouco explica a crise de alimentos. Tanto a produção de cana de açúcar quanto a de milho aumentaram e, embora no segundo caso a área plantada tenha sido ampliada nos EUA em detrimento da área destinada a outros cultivos, a produção de outros cereais naquele país aumentou, como no caso do arroz (34%) e do trigo (15%).
A meu ver, dois elementos menos cotados têm maior responsabilidade pelo aumento do preço dos alimentos. Em primeiro lugar, a subida do preço do petróleo e derivados, que atinge os alimentos através dos insumos e da distribuição. O governo reuniu um grupo de trabalho para estudar o problema, mas são necessárias medidas de curto prazo e soluções de longo prazo. Uma possibilidade é explorar as jazidas brasileiras de potássio, como a de Nova Olinda, cujo alto custo justifica o investimento. Outra é estudar o aproveitamento do gás natural excedente da Amazônia.
Mas julgo que a maior responsabilidade pela alta dos preços dos alimentos está com a especulação financeira. O mercado lançou-se num processo desenfreado de preços de futuro. O petróleo, o ouro, o chumbo aumentaram, mas também subiram – absurdo – o trigo, o leite, o arroz, produtos cuja produção aumentou mais do que a demanda, atingidos pelo comércio especulativo.
Com isso, colocamos em risco a sobrevivência de populações inteiras dos países mais pobres, que não são capazes de produzir alimentos. Malthus alertava que este desequilíbrio causaria mortes prematuras e “gigantescas fomes inevitáveis [que] nivelam [...] a população com a comida no mundo”.
Com o planeta em busca de culpados, o Brasil foi atingido por uma declaração de Jean Ziegler, ex-relator da ONU para o direito à alimentação, que culpou os biocombustíveis. Como o Presidente Lula protestou, ele explicou que se referia ao etanol americano. Mas já vimos que a produção de etanol de milho foi compensada com o aumento do cultivo de outros cereais nos EUA.
O Brasil precisa fazer um esforço de comunicação para mostrar que o caso da cana de açúcar é completamente diferente. A terra dedicada à plantação de cana para produção de álcool é mínima se comparada à usada para pecuária e outros cultivos. E ainda podemos triplicar a produção de álcool se utilizarmos apenas 3,5% da área de cerrado (um ecossistema ameaçado que devemos preservar, mas parte dele pode ser aproveitada) ou convertermos 1,5% das pastagens atuais.
Ao mesmo tempo, o Brasil pode e deve ampliar sua área plantada com cereais e produzir mais alimentos. É preciso avançar na política de garantia de safras e intervir no preço do insumo agrícola. Na arena internacional, devemos defender a unificação das ações dos organismos internacionais da área de alimentos e permitir que a organização daí resultante possa atuar no comércio mundial de alimentos. É preciso aumentar os estoques reguladores mundiais e cobrar dos EUA e da União Européia – os quais subsidiam a agricultura – que atuem com os seus estoque.
Prevê-se que a população mundial atinja 10 bilhões de pessoas, antes de estabilizar-se. Para evitarmos a catástrofe malthusiana, é necessária a cooperação internacional. O Brasil certamente fará a sua parte.

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