terça-feira, 3 de novembro de 2009

Entrevista de Edson Santos ao Jornal de Brasília

Sionei Ricardo Leão - sionei.leao@jornaldebrasilia.com.br

À espera do Estatuto

O ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Edson Santos, tem por expectativa ainda em 2009 de ver aprovado o Estatuto da Igualdade Racial. O projeto foi encaminhado ao Senado Federal, após ser apreciado pela Câmara dos Deputados. Para vários segmentos do movimento negro, o texto em debate perdeu muito do seu vigor, pois deixou de abordar, entre outros itens, a polêmica das cotas nas universidades e a regulamentação das áreas remanescentes de quilombos. Para o ministro, o estatuto vai ser uma redenção da população negra, que poderá ser comparada com a publicação da Lei Áurea, em 1888. "É uma segunda Abolição". Nesta entrevista, ele fala de outros temas como a relação do Brasil com países do continente africano. Edson Santos também antecipou que deve deixar a pasta no início de 2010 para disputar uma vaga de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Na época em que foi convidado para chefiar a Seppir, no lugar da ex-ministra Matilde Ribeiro, Edson Santos pretendia concorrer à prefeitura carioca. Por esse motivo, a interpretação foi que o presidente Lula usou a secretaria para acomodar as pretensões petistas na capital, a fim de abrir caminho para o seu candidato preferido, o atual prefeito Sérgio Cabral. Sobre o Rio de Janeiro, ele também comenta que a escalada violenta que tem se intensificado afeta, em grande parte, jovens negros e que a aposta apenas em políticas de segurança pública não dá conta do desafio. "O estado deveria ser mais arrojado em políticas sociais", disse. Esta entrevista, concedida ao Jornal de Brasília, foi realizada durante o Colóquio Brasil-África, realizado mês passado, em Salvador, pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Sócia da Presidência da República (Cdes).

Nesta semana começa a tramitar o Estatuto da Igualdade Racial no Senado, quais as expectativas que o senhor tem em relação ao andamento da matéria?

Espero que ele seja aprovado no curto prazo. Tive uma conversa preliminar com o presidente do Senado (José Sarney PMDB-AP). Ele recebeu bem esse tema. Também conversei com o senador Paim que é o autor do projeto. Ele mjá está se movimentando para as mcoisas acontecerem.

A primeira proposição sobre um estatuto foi do senador Sarney, não é isso?

O Sarney tinha um projeto anterior, mas em 1999, o senador Paim negociou e assumiu o patrocínio, que é o que tramita hoje O projeto foi modificado na Câmara.

Leia a entrevista completa...

    Como o senador Paim, que foi o propositor, interpreta o texto atual, que não trata mais da criação de um fundo?

    O senador Paim acompanhou todo o projeto, ele próprio defende a aprovação na forma que está. mHouve uma mudança de concepção, o projeto ficou mais atualizado com esse momento que estamos vivendo. É evidente que na questão do fundo há discussões. Mas o que se definiu foi por muma transversalidade. O fundo ia mconcentrar todas as responsabilidades em um só órgão, que seria a Seppir. Isso não é o melhor, com ma implantação da Lei 10.639 (legisla msobre ensino da história da África e do povo negro brasileiro), por exemplo, defendo que o MEC seja o responsável pela questão da meducação do ensino.

    Muitos militantes criticam as modificações que o projeto sofreu pela retirada da menção às cotas nas universidades e a regulamentação de áreas quilombolas. Para essas pessoas, o Governo Federal e a Seppir recuaram?

    Quanto à questão quilombola, no nosso entendimento, o Artigo 68 da Constituição Federal nas disposições transitórias é autoaplicável. Depende apenas de um decreto, que já foi sancionado em 2003, pelo presidente Lula. O recuo seria colocar no Congresso o debate, nem os movimentos sociais nem o governo teria força para vencer essa discussão, aí certamente teríamos um recuo.

    Para o senhor o que representará a aguardada aprovação do estatuto e sanção do presidente?

    Eu diria que simboliza a segunda etapa da abolição, pelo acesso à educação, às políticas públicas e ao trabalho, direitos que foram negados à população após o 13 de maio. Será o resgate de uma história.

    A Presidência da República prepara uma grande festa no dia 20 de novembro (Dia de Zumbi dos Palmares) em Salvador . Por que a capital da Bahia foi escolhida?

    A questão racial passa muito pela Bahia. A ideia foi minha em respeito a essas diretrizes, mas que foi incorporada pelo presidente Lula. O presidente vai assinar vários decretos de desapropriação de terras em favor de áreas de quilombolas. A regulamentação das áreas quilombolas passa por uma série de procedimentos que envolvem a Fundação Cultural Palmares, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra, o desempenho dessas pastas tem sido satisfatório na avaliação da Seppir? Tanto o Incra quanto o MDA atuam, pois enquanto órgãos comprometidos com uma política de governo, eles têm ciência da responsabilidade de deixar um legado. Agora há uma coisa que é a falta de pessoal, o que acontece em várias áreas do governo. A demanda de assistência à área quilombola em questões variadas requer agrônomos, antropólogos... essa é uma herança de governos passados que se pautaram por uma postura neoliberal e que fragilizaram o Estado.

    Que rumos tomará o ministro Edson Santos em 2010?

    O meu projeto é voltar para a Câmara, tentar reforçar e ajudar a manutenção desse modelo de desenvolvimento que o presidente Lula vem implantando no País.

    Como o senhor tem se relacionado com as questões das políticas locais no Rio de Janeiro e qual será o cenário para a Seppir, com a sua saída da secretaria?

    Na medida em que o presidente me chamou, deixei de lado essa questão no Rio, me voltei para as funções e tarefas no ministério. Eu voltarei para Câmara no mês de março. O caminho da Seppir vai ter continuidade. A não ser que o presidente tenha um outro projeto, mas creio que tudo sinaliza para uma continuidade. A minha chegada à secretaria foi dessa forma. Não foi num ambiente de ruptura, até porque o ambiente da Seppir com as instituições e com o movimento social é positivo.

    Enquanto cidadão do Rio de Janeiro, como o senhor tem interpretado a recente escalada de violência na capital?

    Não é uma questão de segurança pública apenas. Está cada vez mais provado que o empenho nessa área tem sido insuficiente. As mortes estão ligadas na grande maioria ao extermínio de jovens negros que acabam servindo ao um exército de reserva para o tráfico. O Estado devia ser mais arrojado em políticas sociais para enfrentar esse desafio.

    Por que o senhor acha que o Brasil precisa investir numa relação mais próxima com a África?

    Faz parte de uma nova consciência do povo brasileiro. O País, no meu tempo de estudante, sempre desvalorizou a história da África e da América. Agora sabemos que para nossa sociedade conhecer o histórico africano é muito importante. Esse continente, acima de tudo, já tem um bilhão de habitantes, tem recursos naturais. O mundo está de olho na África. Nessa relação, o Brasil pode sair na frente, por causa da questão linguística.


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