segunda-feira, 20 de abril de 2009

Entrevista com desembargador Dôglas Evangelista

"Sarney é hor concur em experiência e Barcellos tem memória de elefante”

Por Cléber Barbosa


O Tribunal de Justiça do Amapá tem Dôglas Evangelista de volta à sua Presidência. Nos últimos tempos levantou-se no país uma discussão sobre homens experientes como José Sarney que estão de volta à cena política mesmo chegando à terceira idade. Até o ex-governador Annibal Barcellos foi anunciado como ouvidor do município de Macapá, com mais de 90 anos de idade. No Judiciário amapaense, o primeiro presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Dôglas Evangelista Ramos, acaba de reassumir o cargo e resolveu falar sobre como a experiência pode ser sinônimo de mudanças. Isso mesmo, o magistrado também prega modificações, seja na estrutura da Justiça local, seja na completa reforma do Código de Processo Penal. Mas também fala com saudades dos tempos em que os moradores da pacata Macapá dormiam com as janelas abertas e os crimes mais comuns eram praticados por delinqüentes que ele define como ladrões “pé-de-chinelo”. Acompanhe a seguir os principais trechos desta entrevista descontraída e franca.

" Aqui o que mais tínhamos eram ladrões pé-de-chinelo, daqueles que entravam em sua casaà noite, furtavam e depois até fechavam a porta depois iam embora. O tempo passou e hoje eles entram com metralhadora, acordam você, estupram as mulheres e vão embora"

Diário do Amapá - O senhor está completando um pouco mais de um mês à frente da Presidência do Tribunal de Justiça, nessa sua volta ao cargo, depois de 16 anos, ou seja, é o primeiro presidente voltando ao cargo. Como tem sido essa experiência?

Dôglas Evangelista - Na primeira vez que eu fui presidente do Tribunal a incumbência minha e de meus colegas era de montar o Poder Judiciário. O tempo passou, eu estou retornando à Presidência e temos muito serviço pela frente porque terminou um ciclo de evolução do tribunal e agora começa um segundo ciclo.


Diário - O que há por ser feito? Tem uma prioridade?


Dôglas - Há muito a ser feito. Na área da construção civil, por exemplo, pois o Estado do Amapá quando começou e com ele a Justiça Estadual, nós tínhamos no máximo 350 mil habitantes e hoje temos mais de 700 mil, então precisamos criar aqui no Amapá um Fórum Criminal, pois é difícil a convivência entre presos algemados com aquelas senhoras que levam suas crianças para buscar pensão alimentícia. É muito constrangedor, além de não estar mais cabendo mesmo.


Diário - A abertura de novas Varas, Comarcas, também está previsto?


Dôglas - Sim, com certeza. Até o ano que vem nós temos que instalar 10 varas, dentre elas vamos transformar o núcleo da Maria da Penha, vamos chamar assim num linguajar comum, em uma vara especializada, um juizado especializado na Maria da Penha. A criação de comarcas no interior também está prevista, como em Pedra Branca do Amapari, Cutias do Araguari, afinal a Constituição diz que cada município tem que ser sede de uma comarca. E nós temos quatro municípios que não o são.


Diário - O senhor falou de Pedra Branca e Cutias, quais são os outros dois municípios?


Dôglas - Além destes dois temos ainda Itaubal do Piririm e Pracuúba. É possível que uma comarca instalada em Cutias do Araguari possa responder também por Itaubal, mas em Pedra Branca do Amapari já existe movimento forense suficiente para ser uma comarca. Os outros dois ainda não tem, mas quando tiverem será necessário a instalação das comarcas.


Diário - O senhor volta, portanto, muito mais experiente ao cargo de presidente e isso nos leva a comparar com o caso do senador José Sarney, criticado por alguns nessa volta dele à presidência do Congresso Nacional. Mas ele tem feito mudanças na Casa, então a pergunta é se nunca é tarde mesmo para recomeçar?


Dôglas - O presidente Sarney é um "hor concur", onde ele vai tudo dá certo. Ele é um homem de uma visão política enorme, é internacional a visão política dele. Com relação a mim não sou tudo isso não... (risos), de forma alguma, mas eu já venho com experiências, já fui presidente do Tribunal Regional Eleitoral, fui vice-presidente e corregedor lá, quando retornei fui corregedor aqui e vice-presidente, enfim, estou trazendo uma série de experiências.


Diário - O senhor retorna também num momento de mudanças no judiciário brasileiro não é mesmo?


Dôglas - A tendência agora aqui é atender a um pedido do Conselho Nacional de Justiça para fazer um planejamento estratégico da Justiça para os próximos dez anos. Nesse planejamento nós vamos ter que verificar com a população do Amapá a quantidade de juízes que são necessários e preencher essas vagas e assim ampliar o trabalho dos juizados itinerantes, pois temos um para o Bailique e para a região de são Pedro dos Bois, além de ampliar para Oiapoque, Calçoene, enfim, tudo.


Diário - Na passagem do ministro Nelson Jobim pelo Supremo Tribunal Federal e, conseqüentemente pelo Conselho Nacional de Justiça, ele iniciou um trabalho voltado a fazer um diagnóstico da justiça brasileira, com troca de experiências, enfim, esse trabalho continua?


Dôglas - Houve um trabalho de um sociólogo que fez um apanhado em todo o Brasil. Mas o pensamento hoje do Conselho Nacional de Justiça é no sentido de que cada tribunal não se torne uma ilha, pois há tribunais que elegem seu presidente e este planeje só para dois anos, aí vem outro e muda tudo. Não, queremos um planejamento estratégico para vários anos.


Diário - Mas também seguindo a tendência do intercâmbio entre as Cortes, é isso?


Dôglas - Isso mesmo. Essa integração da justiça os outros tribunais é importante. Por exemplo, uma experiência do Amapá ser usada em outro Estado e assim por diante. Esse é o desejo do Conselho Nacional, para termos uma política harmônica entre os tribunais e com isso reduzir o número de processos, por exemplo. Processo que foram distribuídos até 2005 são 47 milhões no país para serem julgados, perfazendo um 60 total de 67 milhões de processos. Aqui no Amapá nós não temos esse problema, onde na segunda instância nós estamos julgando os processos de 2008 e 2009. Na primeira instância, se tiver processos anteriores a 2005 distribuídos são processos em que o andamento é muito difícil mesmo, como as ações de inventário, que não acabam nunca.


Diário - Por que presidente?Dôglas - Inventário é um tipo de processo que sempre tem um herdeiro criando problema, um imóvel que tem que ser vendido e a avaliação não agrada a todos, enfim, não depende do juiz, mas sim das partes.


Diário - Ainda no âmbito nacional, recentemente, os dirigentes do Executivo, Judiciário e Legislativo assinaram o chamado pacto federativo. O que poderá advir a partir dessa sinalização de unidade?


Dôglas - Isso é muito importante, pois o Congresso vai ter que atuar para agilizar o processo não só na Justiça mas desjudicializar o processo. Uma das medidas seria dar efetividade às decisões dos Procon's, que uma vez resolvido o conflito entre duas partes antigamente era preciso pegar aquela decisão e ir na Justiça cobrar. Agora não, pois será cobrado pelo próprio Procon. Outra proposta está relacionada ao uso de algemas, constrangimento de presos, humilhação antes de ser julgado, imagem na televisão, quando o acusado foi grampeado e grampo hoje no Brasil não tem valor jurídico quase nenhum se não tiver outras provas, e eles acabam sendo absolvidos.


Diário - Seria para normatizar procedimentos ou também editar novas leis?


Dôglas - Foi apresentado ao Congresso Nacional a minuta do futuro Código de Processo Penal, onde há uma previsão de criar o juiz para acompanhar o inquérito, não deixando apenas nas mãos do delegado, ou seja, fiscalizar o inquérito para ver se está sendo cumprida a Constituição na elaboração daquele inquérito. Essa é uma das novidades, de um bojo de medidas para agilizar a justiça.


Diário - Aqui no Amapá, onde o senhor já percorreu tantos lugares, como é a relação da Justiça com comunidades pacatas do interior?


Dôglas - Eles se sentem honrados em receber a Justiça por aí, uma vez um juiz foi a uma comunidade em Ferreira Gomes e as pessoas vieram das fazendas recepcionar juiz indagando "Cadê o doutor Dôglas?", com o colega tendo que explicar que eu não era mais juiz e sim desembargador... (risos).


Diário - Prova de sua história se confunde de fato com a história do Judiciário amapaense. Mas os saudosistas dizem que Macapá foi uma cidade onde as pessoas dormiam com as janelas abertas, então o que o juiz Dôglas Evangelista julgava naquele tempo?


Dôglas - Vim de Rondônia, onde a maior parte dos processos era de tráfico de drogas e latrocínio. Quando cheguei aqui, em 1982, mandei levantar quantos processos de tráfico tinham aqui em todo o Território, eram nove, todos processos velhos que jamais chegariam a um bom termo, prescreveram. Aqui o que mais tínhamos eram ladrões pé-de-chinelo, daqueles que entravam em sua casa à noite, furtavam e depois até fechavam a porta depois iam embora. O tempo passou e hoje eles entram com metralhadora, acordam você, estupram as mulheres, andam de cara limpa, drogados, enfim encheu a cidade de traficantes e viciados. Não se furta mais, se rouba mesmo, é latrocínio, assalto, é difícil achar agora ladrão, eles se especializaram, pois vieram outros de fora, ensinados.


Diário - Conseqüências do progresso, do aumento populacional, não é mesmo?


Dôglas - Antigamente vinham uns ladrões que vinham de fora, do Pará, furtavam, despachavam na balsa e iam de avião até Belém onde recebiam lá o produto do furto. Mas essa história de dormir com a janela aberta é verdade, até os carros a gente deixava abertos e ninguém mexia. Hoje não se pode mais fazer isso não, a cidade está totalmente violenta, não aconselho ninguém dormir com a janela aberta ou ficar jogando baralho no pátio, outro dia mataram um assim. Mas ainda temos uma das cidades mais pacatas da região...


Diário - Por falar em saudosismo, o Comandante Barcellos, seu contemporâneo de Território Federal, acaba de ser apresentado como ouvidor do município de Macapá. Ele pega a sua caminhonete e sai pelas ruas da cidade observando tudo e depois faz um relatório ao gestor municipal. O que isso representa para o senhor?


Dôglas - Isso é muito bom, pois o Comandante Annibal Barcellos tem uma memória de elefante, ele se lembra de coisas de vinte anos atrás, até o nome da pessoa, coisas que eu não consigo. Com a experiência que dele, tem tudo para dar certo. Ele diz que uma das boas experiências foi ser professor da Escola da Marinha em Santa Catarina, onde aprendeu muita coisa. Ele trabalhou também com o Faria Lima na montagem do Estado da Guanabara, na junção com o Estado do Rio de Janeiro. Em termos de obras ele foi quem mais construiu aqui no Amapá e sabe muito bem o que deve ser prioridade ou não. Eu soube que ele anda no calcanhar da Helena Guerra... (risos) e do Roberto Góes, apontando as prioridades e vai ver de perto mesmo. Está ótimo, está de bom tamanho.


Diário - Obrigado pela entrevista.


Dôglas - Todos podem ter certeza que farei de tudo para tornar ainda melhor a Justiça do Amapá, com o caminho aberto aos novos presidentes.

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