segunda-feira, 1 de setembro de 2008


Ninho de pássaro


Meu tempo durante os Jogos Olímpicos se restringiu à contemplação do Ninho de Pássaro. É belo, mais ainda porque imita a natureza. Quando vi aquele emaranhado de vigas, percebi que os royalties do projeto eram devidos a este grande atleta que é o japi, como o chamamos no Maranhão, também conhecido como sofrê ou corrupião. Este pássaro é um gênio da construção do seu ninho, feito de gravetos cruzados, levados com carinho no bico, um a um, sem projeto nem equipes de engenheiros ou milhares de operários, máquinas e fios, e sem o dinheiro da China. O ninho do japi não tem por finalidade mostrar ao mundo inteiro que o homem pode voar andando ou nadar voando, mas, sim, ser o espaço de continuar a vida, no fruto do seu amor fiel, no pequeno ovinho de sua companheira, ali escondido, livre dos predadores, de onde vai surgir outro e novo pássaro, belo como ele, de cores amarelas e pretas. Depois é a música, aprendendo a cantar como gente. Uma vez, no Palácio da Alvorada, recebi de presente um corrupião que mostrava seu patriotismo cantando o Hino Nacional. Oliveira Bastos, o saudoso e grande jornalista, quando ali me visitou certa vez e o ouviu engrenar o hino, exclamou: "Aqui os pássaros são recrutas e fanáticos nacionalistas, todo o tempo entoando canções patrióticas!". Em Pequim, o que menos se ouviu foi o Hino Nacional. Era um choro danado dos que ganhavam e dos que perdiam. Será que não criamos expectativas demais para nós mesmos e para os atletas? Talvez elas sejam necessárias para incentivá-los quando ninguém o faz. Veja o nosso judoca que confessou não ter dinheiro nem para comprar a faixa preta do seu esporte, nem sequer para pagar a inscrição. Menino tirado da rua pela paixão do esporte. Nós nunca associamos a educação à prática esportiva. Nossas escolas não dispõem de áreas para ela, e o gosto brasileiro pelo futebol é mantido pela genial transformação das ruas em estádios. Delas saíram os nossos grandes atletas do passado e do presente. Com grande satisfação recebemos a contagem estatística de que a maioria da população está na classe média, isto é, desfrutando de uma renda maior. Mas isso verdadeiramente só representará uma melhor qualidade de vida quando levar os seus integrantes a consumir mais cultura e lazer. As Olimpíadas nos mostram que ninguém pode ser potência econômica, política ou militar se não for uma potência cultural, aí incluída a cultura do esporte, do bem-querer do corpo, que já levava o romano Juvenal a dizer, antes do Cooper, que "o corpo são faz a cabeça sã". Para o Brasil não ter dor de cabeça, vamos preparar nossa cabeça para competir melhor em 2012.


José Sarney é ex-presidente, senador pelo Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa.


jose-sarney@uol.com.br

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