

Com esse mesmo quadro depressivo, três meses depois, Sarney enviou ao Congresso proposta convocando a Assembléia Nacional Constituinte para reescrever a lei fundamental do país. Promulgada em 1988, a nova Constituição completa agora 20 anos e é motivo de orgulho para vários parlamentares que a assinaram. Mas não para o ex-presidente, que afirma ser evidente, nesse texto, o desequilíbrio entre deveres e poderes. Indagado, numa entrevista à Agência Senado, se a Constituinte aprovou um Frankenstein, Sarney respondeu: "Creio que o que foi feito é mais grave".
Agência Senado - Tivesse assumido a Presidência da República, Tancredo Neves teria convocado a Assembléia Constituinte?
José Sarney- É impossível alguém se sair bem das especulações sobre, se fossem outras as circunstâncias, como seria o passado. Não sei se Tancredo teria convocado a Constituinte com a brevidade com que o fiz. Mas sua convocação constava dos compromissos da Aliança Democrática (pacto político que propiciou a transição do regime militar para a democracia). Tancredo tinha a legitimidade que podia flexibilizar prazos e até mesmo postergá-los. Tinha uma autoridade sobre os partidos que seria um contrabalanço à vontade de Ulysses Guimarães (presidente da Câmara dos Deputados à época). Enfim, outras circunstâncias, outras conseqüências, que não as minhas.
Agência Senado - Em algum momento, o senhor hesitou em convocar a Assembléia Constituinte?
José Sarney- Não, eu sabia que era um risco, mas era um passo indispensável para aquele momento em que vivíamos. Tanto não hesitei que, já a 28 de junho de 1985, com pouco mais de dois meses de governo - descontemos o tempo da agonia de Tancredo Neves - eu enviei ao Congresso o projeto de emenda constitucional. Logo criei, também, a Comissão Afonso Arinos, com grandes nomes da vida brasileira, para fazer o excelente projeto que fizeram, e que não mandei ao Congresso porque Ulysses me disse que, se o fizesse, o devolveria, abrindo assim uma crise que era tudo que eu precisava evitar.
Agência Senado - O senhor costuma dizer que os constituintes terminaram aprovando uma Constituição que todo dia precisa ser consertada. Em sua opinião, foi aprovado um Frankenstein?
José Sarney - Creio que o que foi feito é mais grave. Foram incluídos na Constituição todas as reivindicações corporativas, tornando o país ingovernável, com um desbalanço entre seu poder e seu dever. Nosso sistema eleitoral é ainda o do voto uninominal proporcional, funcionando sem partidos. Nosso sistema de governo mistura a competência dos Poderes. O mecanismo da medida provisória tornou-se o principal meio de legislar.
Agência Senado - O senhor é acusado de recear, à época, pela aprovação dos direitos sociais, que até hoje estão aí. O que o senhor tem a dizer?
José Sarney- Meu lema de governo foi "Tudo pelo Social", e toda a minha vida lutei pelos direitos fundamentais. O que temi - e aconteceu - foi que criássemos obrigações orçamentárias incompatíveis com nossa capacidade de pagar. O sistema tributário, que enxugáramos, tornou-se essa loucura: reduzíramos a carga a 22%, ela hoje está em 38% e não dá conta do que precisamos. Na convocação quefiz da Constituinte, fui eu que incluí a agenda dos direitos sociais. Está na Mensagem.
Agência Senado - O que teria acontecido se os constituintes tivessem aprovado, naquelas circunstâncias, um programa bolsa-família?
José Sarney- É uma decisão do Presidente da República. Seria compatível com o espírito dos direitos sociais da Constituição. Foi um grande passo dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva criá-la. Eu criei o programa do leite das crianças, merenda escolar, vale-alimentação, vale-transporte.
Agência Senado - O que o senhor mudaria urgentemente na Constituição?
José Sarney- O sistema político, isto é, os sistemas eleitoral e de governo. Só o Parlamentarismo, com o voto distrital misto, pode atender plenamente à estabilidade que todos almejamos no Brasil.
Teresa Cardoso
Esta entrevista está na Agência Senado
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