sexta-feira, 12 de setembro de 2008

História e Cidadania

Sarney analisa 0s 20 Anos da Constituição, mostra as contradições dos constituintes e prega reformas nos sistemas eleitoral e de governo

Em 15 de março de 1985, quando soube que assumiria a Presidência da República porque Tancredo Neves, primeiro civil eleito depois de 20 anos de regime militar, acabara de ser hospitalizado, o senador José Sarney (PMDB-AP) era um homem deprimido. Ao ouvir, às 2h da madrugada, do futuro ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, que teria de tomar posse na presidência, ele ainda resistiu. Mas foi cortado, conforme ele mesmo diz, pela seguinte frase do general : "Boa noite, presidente".
Com esse mesmo quadro depressivo, três meses depois, Sarney enviou ao Congresso proposta convocando a Assembléia Nacional Constituinte para reescrever a lei fundamental do país. Promulgada em 1988, a nova Constituição completa agora 20 anos e é motivo de orgulho para vários parlamentares que a assinaram. Mas não para o ex-presidente, que afirma ser evidente, nesse texto, o desequilíbrio entre deveres e poderes. Indagado, numa entrevista à Agência Senado, se a Constituinte aprovou um Frankenstein, Sarney respondeu: "Creio que o que foi feito é mais grave".


Agência Senado - Tivesse assumido a Presidência da República, Tancredo Neves teria convocado a Assembléia Constituinte?
José Sarney- É impossível alguém se sair bem das especulações sobre, se fossem outras as circunstâncias, como seria o passado. Não sei se Tancredo teria convocado a Constituinte com a brevidade com que o fiz. Mas sua convocação constava dos compromissos da Aliança Democrática (pacto político que propiciou a transição do regime militar para a democracia). Tancredo tinha a legitimidade que podia flexibilizar prazos e até mesmo postergá-los. Tinha uma autoridade sobre os partidos que seria um contrabalanço à vontade de Ulysses Guimarães (presidente da Câmara dos Deputados à época). Enfim, outras circunstâncias, outras conseqüências, que não as minhas.
Agência Senado - Em algum momento, o senhor hesitou em convocar a Assembléia Constituinte?
José Sarney- Não, eu sabia que era um risco, mas era um passo indispensável para aquele momento em que vivíamos. Tanto não hesitei que, já a 28 de junho de 1985, com pouco mais de dois meses de governo - descontemos o tempo da agonia de Tancredo Neves - eu enviei ao Congresso o projeto de emenda constitucional. Logo criei, também, a Comissão Afonso Arinos, com grandes nomes da vida brasileira, para fazer o excelente projeto que fizeram, e que não mandei ao Congresso porque Ulysses me disse que, se o fizesse, o devolveria, abrindo assim uma crise que era tudo que eu precisava evitar.
Agência Senado - O senhor costuma dizer que os constituintes terminaram aprovando uma Constituição que todo dia precisa ser consertada. Em sua opinião, foi aprovado um Frankenstein?
José Sarney - Creio que o que foi feito é mais grave. Foram incluídos na Constituição todas as reivindicações corporativas, tornando o país ingovernável, com um desbalanço entre seu poder e seu dever. Nosso sistema eleitoral é ainda o do voto uninominal proporcional, funcionando sem partidos. Nosso sistema de governo mistura a competência dos Poderes. O mecanismo da medida provisória tornou-se o principal meio de legislar.
Agência Senado - O senhor é acusado de recear, à época, pela aprovação dos direitos sociais, que até hoje estão aí. O que o senhor tem a dizer?
José Sarney- Meu lema de governo foi "Tudo pelo Social", e toda a minha vida lutei pelos direitos fundamentais. O que temi - e aconteceu - foi que criássemos obrigações orçamentárias incompatíveis com nossa capacidade de pagar. O sistema tributário, que enxugáramos, tornou-se essa loucura: reduzíramos a carga a 22%, ela hoje está em 38% e não dá conta do que precisamos. Na convocação quefiz da Constituinte, fui eu que incluí a agenda dos direitos sociais. Está na Mensagem.
Agência Senado - O que teria acontecido se os constituintes tivessem aprovado, naquelas circunstâncias, um programa bolsa-família?
José Sarney- É uma decisão do Presidente da República. Seria compatível com o espírito dos direitos sociais da Constituição. Foi um grande passo dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva criá-la. Eu criei o programa do leite das crianças, merenda escolar, vale-alimentação, vale-transporte.
Agência Senado - O que o senhor mudaria urgentemente na Constituição?
José Sarney- O sistema político, isto é, os sistemas eleitoral e de governo. Só o Parlamentarismo, com o voto distrital misto, pode atender plenamente à estabilidade que todos almejamos no Brasil.
Teresa Cardoso
Esta entrevista está na Agência Senado

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