Uma rosa amarela
Sempre o mês de janeiro foi um tempo light. Período de férias, recuperador de forças, esperança e alegria, pernas para o ar que ninguém é de ferro, sol e maresia, mulheres com seu corpo exposto às caricias do sol, liberto das roupas e dos arrependimentos. A mídia sem notícias, recorre-se apenas aos desastres nas rodovias ou crimes inusitados. Até os anúncios fogem. Mas este ano parece diferente. Como numa incelência que ouvi cantar no Maranhão no meu tempo de infância, “a bandeira desse ano trouxe um sinale de guerra” / “Um é verde, outro encarnado, outro uma rosa amarela”. Os raios rubros começaram com Gaza, sem necessitar mais nada para tingir o céu de sangue. Ontem, na televisão, vi Shimon Peres, um dos estadistas mais brilhantes que conheci, com uma visão profunda dos destinos do mundo, com os olhos baços, anunciar mil mortos palestinos. Avaliei o que passa pela alma desse homem de cultura e a obrigação do cargo. É um janeiro sem sol. Na aventura do gênero humano que é a vida, a marca fundamental e dominante foi a violência. Darwin – que este ano completa 200 anos de nascimento – desenvolveu a teoria de que a espécie humana evoluiu por meio da sobrevivência dos mais fortes. Assim, somos todos que chegamos até aqui beneficiários dessa brutal disputa na matança dos mais fracos. Mas não desapareceu de nossa alma o amor pelos desvalidos, nossos sentimentos com os mais perseguidos, nossa busca constante pela igualdade. Se um intruso asteróide não houvesse colidido com o planeta, teríamos sido comidos pelos dinossauros e a Terra seria só de gigantes. Mas o bicho-homem, quis Deus que conhecesse tudo isso e tivesse o poder de criar a força, dominá-la ou ser escravo dela. É desligando a televisão que posso fugir de pensar na tragédia das crianças ensanguentadas e mortas, ceifadas no despertar da inocência. Talvez seja a “rosa amarela” da incelência. E o mundo, embrutecido, se comove mais com o cemitério das bonecas de Gaza, com os olhos pintados sempre abertos, sem pupilas, eternamente cegas num simbolismo da gratuidade da violência. Leio a entrevista de João Lins de Albuquerque com uma atriz que foi um dos encantos da minha geração após-guerra, Esther Williams, no seu vigor de nadadora, sereia dos musicais aquáticos do fim dos anos 50. Ela diz que seus filmes faziam sucesso porque as pessoas, cansadas das cenas tristes da guerra, estavam ávidas de ver “filmes alegres que destacassem o lado bom da vida”. É o que estamos precisando, ballets aquáticos em vez do fogo de Gaza. Será que isto virá com a política inteligente de Hillary? É, Senhora Clinton, entre o poder duro e o poder fraco, melhor o poder inteligente. Mas o poder é burro...
José Sarney é ex-presidente, senador do Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa
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