Jean-Paul Sartre
Não se sabe se Sartre, filósofo, escritor, ateu, conheceu o também intelectual e político maranhense, José Sarney, católico fervoroso, místico assumido, acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa. Mas bem poderia ter se inspirado no autor de “Marimbondos de Fogo” para criar o que definia em sua filosofia existencialista como os “homens autênticos”, aqueles que sabem assumir posições, que conseguem dar sentido às suas existências, principalmente quando as adversidades da vida (“o que fazem dele”) assim o exigem. Sartre diferenciava esta espécie de homens daqueles que não tomam posição, não assumem responsabilidades, os “inautênticos”. Estes, segundo o pensador francês, diante dos vários caminhos que a vida proporciona, ao terem que enfrentar a “angústia inexorável da escolha”, experimentam “o peso da liberdade”, se sentem no vazio e encolhem, aninhando-se no que chamava de “má fé”.
Sarney se mostrou um paradigma do primeiro tipo, os homens autênticos de “boa fé”, quando, diante da trágica morte de Tancredo, foi alçado à Presidência num contexto extremamente adverso e delicado de transição política e profunda crise econômica. Mas, não se encolheu. Tomou posição, assumiu responsabilidades, cumprindo todos os compromissos da Aliança Democrática. E a missão não foi nada fácil. Além dos profundos problemas políticos e econômicos que herdara, a imprensa, amordaçada por anos e se aproveitando da natural frustração das massas, em decorrência da morte do Presidente eleito, durante toda a “Nova República” não deu tréguas. Constantemente se tentou abstrair o papel de Sarney da complexa e delicada negociação com vistas à eleição do governador mineiro. Na verdade, a imagem que tentaram fazer dele não foi nada honesta. Não havia qualquer clima favorável ou mesmo compreensão, por parte da mídia, para a necessidade, pelo menos, de se dar tempo para se construir a governabilidade. E o seu próprio partido, o PMDB, acabou por abandoná-lo nas horas decisivas.
Mas, lastreado pela sua história de vida, conseguiu cumprir à risca – e foi até além – tudo que Tancredo dizia que iria fazer. A convocação da Constituinte e a legalização dos partidos clandestinos, por exemplo, não estavam nas cogitações de Tancredo. Sarney foi muito além. Conseguiu fazer a reforma do Estado, com a extinção da conta-movimento do Banco do Brasil, a unificação do orçamento da União, a criação do SIAFI, da Secretaria do Tesouro. Ao final, seu governo teve um resultado que, visto com os olhos de hoje, é surpreendente: crescimento e pleno emprego. O PIB per capita em dólares dobrou, chegando a US$ 2.923 (em 2004 estava em US$ 2.789), o desemprego foi o menor de nossa História (2,36%). O país era a 7ª potência industrial do mundo. Havia 67 bilhões de dólares de saldo comercial (contra um déficit de 8 bilhões de dólares no período de 1995/2002). O PIB passou de 189 para 415 bilhões de dólares, e a dívida externa caiu de 54% para 28% do PIB. A produção de petróleo passou de 2,7 para 8 bilhões de barris. A safra agrícola passou de 50 para 60 milhões de toneladas de grãos. No setor elétrico, a produção aumentou em 24,1%, o número de consumidores em 22,3%; foram investidos 29 bilhões de dólares. O déficit primário de 2,58% do PIB foi transformado em superávit de 0,8%. Em 1990, Sarney entregou ao seu sucessor — eleito em eleição direta e completamente livre — um país renovado. Transformado nos planos econômico, social e político. Cumpriu-se, assim, o compromisso de Tancredo: o Brasil tornou-se uma grande democracia e a questão social foi colocada na agenda política, com o “Tudo pelo Social”, com o seguro-desemprego, o programa do leite para as crianças, o reconhecimento das centrais sindicais, o vale-transporte, a central de medicamentos, as delegacias da mulher, a Fundação Palmares, etc.
Hoje, às vésperas de seu aniversário de 80 anos, Sarney está feliz feito criança. E bastante disposto. Vem recebendo elogios importantes pelo andamento das reformas do Senado, depois de um período de crise da instituição. Reconhecimento é sempre uma coisa importante. Não só dos aliados, como Lula e Dilma, mas também daqueles que, há bem pouco tempo, eram críticos contundentes, como o senador Pedro Simon que, em discurso, elogiou as ações que vêm sendo implementadas por Sarney para melhorar a Casa.
O presidente tem dito aos amigos que, depois do que aconteceu no meio do ano passado, o Senado está bem melhor. Acha que, por mais contraditório que possa parecer, a crise do Senado e todas as dificuldades enfrentadas, acabaram por lhe dar mais força para levar avante as mudanças necessárias. Mudanças que, faz questão de lembrar, já estavam em seu programa de ação em fevereiro de 2009, quando foi convocado pelo partido a concorrer à Presidência da Casa. Como democrata e jornalista que é, avalia que, apesar dos exageros, dos ataques pessoais e dos desgastes sofridos, “sem as pressões da mídia não teria conseguido avançar tanto”. Acha que o sacrifício valeu a pena. Lembrando seu tempo na Presidência da República, comentou: “Na época também sofri grande pressão, foi muito desgastante. Pressão faz parte da democracia que ajudei a construir. Ataques vinham de todos os lados. Tive que administrar, com sacrifício pessoal, todos os conflitos com muita paciência; tive que aquentar ataques a mim e a minha família, tive que suportar acusações falsas e intrigas. A imprensa não dava trégua”. Perguntado sobre se essa situação não lhe incomodava, foi taxativo: “Eu jamais movi uma palha para calar a imprensa. Tinha, como tenho hoje, a convicção de que era justamente a total liberdade, tanto tempo sufocada, que iria me ajudar”.
E justamente sobre “sacrifícios”, brincou, como sempre, lembrando o padre Antônio Vieira, que falando sobre o projeto divino que nos chega pelo grito dos necessitados e sacrificados, ensinava: "... não há lume de profecia mais certo no mundo que consultar as entranhas dos homens. E de todo homem? Não. Dos sacrificados. Se quereis profetizar o futuro, consultai as entranhas dos que se sacrificam e dos que se sacrificam para diminuir o sacrifício dos outros". É este o estado de espírito do presidente Sarney hoje. Um homem autêntico, com sua eterna fé na conciliação política, realizado pela sua longa carreira pública como governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. Parabéns, presidente Sarney! E obrigado!
Said Barbosa Dib, historiador, analista político e, com muito orgulho, assessor de imprensa do senador Sarney
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