O filho de Sarney e Kiola passou seus primeiros quatro anos de vida em Pinheiro. Depois, foi para São Bento, município vizinho, residência de seus avós paternos, José Adriano e Madona. Ali viveu até os oito anos. O avô era professor primário (mestre escola) e arrecadador de impostos, a avó fazia doces para vender, a mãe costurava e o pai era promotor público.
A professora Cota Teixeira alfabetizou José aos cinco anos. Aos seis ele começou a buscar livros na estante de seu avô, Zé Adriano. Entre suas paixões estava o Almanaque de Bristol, publicação que informava sobre luas, marés, doenças e indicava os remédios. Era também leitor assíduo de um folhetim anual, chamado Biblioteca Popular, que trazia informações sobre higiene, história, curiosidades, além dos livros de poemas de Casimiro de Abreu, e dos velhos portugueses, Guerra Junqueira e Alexandre Herculano.
Como o menino mais velho dos Sarney gostava de estudar e lia muito, a família anteviu que iria “cursar colégios”. Em janeiro de 1942 ele e seu irmão Evandro foram para São Luís fazer os exames de admissão para o curso ginasial no Liceu Maranhense. Ali Sarney começou a desenhar seu caminho na política, enfrentando e vencendo duas campanhas para presidir o Centro Liceísta, em 1945 e em 1946.
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O começo
Aos 15 anos já era líder estudantil. E em 45, no final do autoritário Estado Novo de Getúlio Vargas, Sarney enfrentou inclusive breve prisão. No Teatro Arthur Azevedo, ante a entrada do interventor no Maranhão, Paulo Ramos, puxou o coro de “abaixo a ditadura”! Foi em cana.
Quatro anos depois, já na faculdade de Direito e como dirigente da União Maranhense dos Estudantes (UME) representou o Maranhão na União Nacional dos Estudantes (UNE). Nos encontros nacionais da entidade tornou-se amigo de jovens estudantes que se seriam grandes nomes nacionais, como Paulo Egydio Martins, que governou São Paulo, Roberto Gusmão e Célio Borja, que foram ministros de Estado.
A UME foi o primeiro degrau da carreira política do jovem Sarney, que em 1954 enfrentou sua primeira candidatura a deputado federal, ainda pela ala rebelde do PSD. Bem votado, mas sem conseguir se eleger, Sarney, no entanto, como suplente, em 1955 e 56, esteve por curtos períodos na Câmara Federal. Mas foi em 1958 que, como candidato da ala jovem da UDN, conseguiu sua primeira vitória eleitoral, conquistando vaga de deputado federal pelo Maranhão.
A Bossa Nova
A UDN tinha, então, uma brilhante bancada do Congresso Nacional, que era liderada pela “Banda de Música” -- ala composta de atuantes e “barulhentos” parlamentares. Ali se destacavam Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso, Bilac Pinto, Prado Kelly, Afonso Arinos, Milton Campos, Pedro Aleixo, José Agripino e Afonso Arinos, que era o líder da bancada. Em 57, com a aprovação da maioria, Arinos indicou para uma das vice-lideranças o jovem deputado José Sarney, Com Clóvis Ferro Costa, José Aparecido de Oliveira e Seixas Dória, Sarney formou um grupo de renovação da UDN, denominado “Bossa Nova”. Era o governo Juscelino Kubitschek. A UDN estava na oposição. Sarney aprendia a navegar nas águas sempre intranqüilas da política nacional.
Em 1960 a UDN, coligada com o PTB, chegou à Presidência da República, elegendo o paulista Jânio Quadros e o gaúcho João Goulart (Jango), como vice. Jânio renunciou sete meses depois da posse, surpreendendo e colocando em crise o cenário político brasileiro. Vencidas muitas dificuldades políticas, o vice, Jango, assumiu o governo, mas também não conseguiu completar o mandato. Em 1964, um golpe militar foi gradualmente afastando a classe política do comando do país.
No que seria a última eleição com voto popular para governadores, em 1965, José Sarney lançou-se em campanha pelo governo do Maranhão. Disputadíssima, a eleição ocorreu sob a proteção de tropas federais. O adversário era Renato Archer, candidato da coligação PTB—PSD. Sarney, da UDN, percorreu o Maranhão de ponta a ponta, numa campanha de contato direto com a população. O périplo serviu para o conhecimento profundo dos problemas do Maranhão. Uma difícil realidade - não havia estradas, escolas, postos de saúde, agricultura, indústria. A fome e a miséria se espalhavam por todos os cantos, sem exceção. O aparelho do estado praticamente não existia.
A vitória de Sarney foi esmagadora: teve 120 mil votos, contra 103 mil dos outros candidatos. Para registrar a pobreza extrema encontrada, Sarney convidou o cineasta Glauber Rocha para produzir um documentário sobre o estado. O resultado é o comovente filme “Maranhão 66”.
Quase cassado
A situação da época era delicadíssima para a classe política e ameaçadora para os opositores do regime militar – entre esses, o ex-presidente Juscelino Kubitschek. Por receber JK no Maranhão o governador Sarney, que não era de oposição, foi ameaçado de cassação do mandato, método usado para soterrar adversários. Juscelino era um dos líderes mais visados pelos militares. Com outras grandes lideranças políticas, o ex-presidente participava de um movimento de oposição à ditadura, batizado de Frente Ampla, que envolvia os que tiveram mandatos cassados e outros dissidentes.
Em 13 de dezembro de 1968, na vigência do Ato Institucional nº 5, o regime militar fechou o Congresso Nacional, suspendeu direitos civis fundamentais, inaugurando o período mais difícil da história contemporânea.
Sarney governou o Maranhão até maio de 1970, quando deixou o governo para disputar uma cadeira no Senado Federal. Foi eleito senador pela Arena com o dobro dos votos de seu adversário. Começava novo aprendizado. Ao seu estilo, sem confrontos, trabalhou pela recuperação do regime democrático. Conciliador e paciente, atuou nos bastidores pela suspensão do AI-5 e contra as grandes alterações introduzidas na Constituição, sobretudo nas atribuições e na autonomia do Poder Legislativo. Mais tarde, já como líder do governo, relatou o projeto que acabou com o AI5, em dezembro de 1978.
No último dos governos militares, o do general Figueiredo, que sucedeu Geisel, houve a anistia política (28 de agosto de 1979) e o fim do bipartidarismo. Na oposição, o MDB passou a ser PMDB, e a Arena, da situação, virou PDS. O antigo partido de Getúlio Vargas (PTB) foi subdivido em duas correntes trabalhistas: PDT e PTB. Nasceram também o Partido Popular, PP, que reuniu os moderados do MDB, em torno dos senadores mineiros Tancredo Neves e Magalhães Pinto. Na São Paulo industrializada foi criado o Partido dos Trabalhadores (PT), reunindo lideranças sindicais – Lula à frente -, intelectuais, artistas e oposicionista de todas as idades. Foram passos importantes da abertura para o reencontro do Brasil com a democracia.
Sarney esteve no Senado até o final da ditadura militar – dos anos mais duros à abertura política, que em 1985, por força do destino, acabou fazendo dele o primeiro presidente civil depois de 20 anos do regime militar.
O dissidente
Em 1985, haveria eleições para presidente da República – ainda indiretas, decididas por um colégio eleitoral criado pelos militares. Sarney presidia o PDS, que articulava várias candidaturas: a do ministro Mario Andreazza, a de Marco Maciel, senador por Pernambuco, a de Aureliano Chaves, vice-presidente, e, em uma tentativa de tomar o partido, a do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf. Os tempos de abertura política abriam espaço - inclusive de vitória – para um civil.
O grupo de Sarney avaliava que a candidatura de Maluf era um empecilho para o sucesso do projeto de retomada da democracia. Franco atirador, ele ameaçava o trabalho pacientemente estruturado. O general Figueiredo não gostava dos políticos e não conseguia comandar ou articular seu processo sucessório. Em dezembro de 1983, em discurso na TV, jogou a toalha: não tinha sido capaz de encontrar um candidato para a sua sucessão e deixava o assunto nas mãos do partido.
Com isso, abriu-se um leque muito grande. No centro das conversas entre dissidentes e oposição, estavam os mineiros, Tancredo Neves, então governador de Minas, e Aureliano Chaves, vice-presidente da República, além de Antônio Carlos Magalhães, da Bahia; Marco Maciel, de Pernambuco; e Ulisses Guimarães, paulista e presidente do PMDB.
Uma proposta de emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas para a Presidência da República, formulada por Dante de Oliveira, movimentou o país, com comícios que reuniram grandes multidões. Os brasileiros pediam “Diretas Já”. Mas, em abril de 1984, por pequena margem de votos, o governo derrotou essa emenda, na Câmara dos Deputados. A vitória da opinião pública, no entanto, era insofismável. O Brasil queria o fim da ditadura e desejava a urgente redemocratização.
Para evitar a cooptação da convenção do PDS por Maluf, Sarney propôs que se realizasse uma prévia eleitoral entre os três candidatos governistas. Mas, como Serviço Nacional de Informações (SNI) garantia que essa prévia favoreceria a Aureliano Chaves, Figueiredo postou-se contra a sua realização. Essa decisão fez com que o senador Sarney deixasse o PDS. Era 11 de junho de 1984. Uma semana depois, os dissidentes do partido criaram a Frente Liberal. Sabiam que representavam uma parcela expressiva do Colégio Eleitoral. Encontro na casa do vice-presidente Aureliano Chaves reuniu 52 parlamentares - votos suficientes para assegurar o destino da eleição. O Colégio Eleitoral era composto por 686 delegados, sendo 381 do PDS, 273 do PMDB, 30 do PDT, 14 do PTB e 8 do PT. A mudança de 18 votos em direção à oposição daria a ela a maioria necessária para eleger o novo presidente da República.
O PMDB também se mexia e, desde 1983, se dividia entre as candidaturas de Ulisses Guimarães e Tancredo Neves. Um era o choque, o PMDB radical; o outro era a presença do PP, extinto e incorporado a oposição moderada. Ambos sabiam as chances que tinham — Ulisses, no voto direto, Tancredo, no colégio eleitoral. Mas o mineiro negociava com o comando do PDS as alternativas do processo; Ulisses era intransigente.
Tancredo levou a melhor. Uma semana depois da saída de Sarney do PDS os governadores do PMDB lançaram o nome de Tancredo Neves à candidatura indireta. No dia seguinte, Sarney, Marco Maciel e Aureliano Chaves, dissidentes do PDS, selaram acordo com o governador mineiro. PMDB e a Frente Liberal formaram Aliança Democrática para disputar a presidência com Paulo Maluf, do PDS governista. Sarney foi o escolhido para compor a chapa com Tancredo. A campanha empolgou o Brasil e no dia 15 de janeiro de 1985 Tancredo venceu Maluf no colégio eleitoral por 480 votos contra 180.
O presidente
A posse de Tancredo-Sarney aconteceria em 15 de março. Três dias antes Tancredo começou a ter febre. O diagnóstico era de faringite. Na noite do dia 14 foi operado de emergência no Hospital da Base de Brasília. Tinha uma diverticulite grave. A má notícia chegou aos salões de Brasília, onde se vivia a expectativa da festa de posse no dia seguinte. Na sala de espera do hospital, pequeno grupo esperava ansioso o resultado da operação do presidente eleito e discutia o que fazer. Havia duas correntes: uns que desejavam a posse do presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do PMDB, Ulisses Guimarães; outros que sustentavam que a regra constitucional seria a posse do vice-presidente eleito, José Sarney. Venceu a Constituição. Sarney foi então empossado.
As duas cerimônias, a posse no Congresso Nacional e a investidura no Palácio do Planalto, realizaram-se sob tensão e expectativa. O general Figueiredo, repetindo o gesto de Newton Bello na transmissão da chefia de governo do Maranhão, não passou o cargo e a faixa presidencial a José Sarney.
Tancredo morreu no dia 21 de abril de 1985. No dia seguinte o Congresso Nacional efetivou José Sarney, como o 31º presidente do Brasil, marcando o ponto final no longo período autoritário para começar a Nova República e devolver a democracia ao Brasil.
Devoto de São José, protegido pelas graças da Irmã Dulce, o maranhense de Pinheiro venceu as todas as muitas dificuldades vividas nos seus cinco anos na Presidência da República. Venceu principalmente a batalha em favor da redemocratização do país, que passou a um sucessor eleito pelo voto direto.
O Amapá
Cumprido o dever na Presidência da República que o inusitado lhe apresentou como missão a desempenhar, José Sarney voltou Congresso três vezes eleito senador pelo Amapá – em 1990, 1998 e 2006. Três vezes também foi escolhido por seus pares para presidir o Senado Federal – 1995 a 1997, 2003 a 2005 e neste novo mandado que se iniciou em 2009 e que irá terminar em 2011.
José Sarney é o mais antigo entre os congressistas - e também entre os senadores - do período republicano da história do Brasil. São 54 anos de vida pública, 43 dos quais vividos no Congresso Nacional, onde exerce com calma e paciência a difícil arte da política do entendimento e da conciliação, em favor do país e de dias melhores – para todos.
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