sexta-feira, 9 de abril de 2010

José Sarney

Ode ao bigode

Sou supersticioso e acho que sempre me dei bem com o meu bigode. Não o trato com cuidado. Às vezes o deixo grande, outras pequeno, não mantenho coerência em sua tonalidade, que clareia e escurece sem que eu conserve a cor estável. Já foi maior, indo além dos lábios e outras vezes foi menor e mais cheio.
Ele me acompanha desde os 16 anos, quando, para parecer mais velho, o adotei, abandonando a cara de criança que não achava combinar com meu serviço: contínuo da Polícia Civil do Maranhão, servindo café e distribuindo correspondência.
Começando a trabalhar em jornal, logo me colocaram o apelido de “bigodinho”. “Ê tu do bigodinho, faz a revisão deste texto.” E por aí passei a integrar-me a ele, companheiro da vida inteira.
Uma noite em São João Del Rey encontrei o Chico Caruso e lhe disse: “Eu ajudo muito os chargistas.” E ele replicou: “Em quê?” “Com meu bigode que facilita o trabalho de vocês.”
Mas meu bigode teve outras ameaças. O Brizola, num daqueles rompantes de frases cruas, disse uma vez: “Vou raspar o bigode do Sarney.” E Vitorino Freire, meu adversário duro e violento do Maranhão, também, em momento de fúria agressiva, em vez de querer raspar, ameaçou: “Vou arrancar o bigode do Sarney a pinça, fio por fio.” Pediram-me a resposta. Calmamente, como é do meu feitio, apenas comentei: “Vai doer muito…”
O certo é que ele resistiu a tudo e a todos.
Não é que agora, eu tranqüilo, fui ao médico para retirar uma lesão que encontraram em meu lábio superior, que foi novamente examinada, e o médico relatou os procedimentos a fazer: o primeiro deles raspar o bigode. Eu quase desmaio. “Doutor, este bigode já sofreu muita agressão e foi gozado em prosa e verso, o senhor acha que vou raspá-lo? A medicina está tão atrasada que não pode manter um bigode?”
Quem se deu bem quando colocou bigode foi Caxias. Chegou ao Maranhão coronel, para pacificar a Balaiada, em 1840, sem bigode. Como sempre fez, agiu com a espada firme numa mão e a bandeira da anistia na outra. Concluiu a tarefa, veio a Maioridade e ele viajou ao Rio para a Coroação de D. Pedro II já com um farto bigode, que deixara crescer no Maranhão. Chegando à Corte, foi eleito deputado, e feito Barão de Caxias. A partir daí foram só vitórias e aumentar o bigodão até chegar a Duque.
Eu, graças a Deus, preservei o meu e apenas fiquei uns dias com dificuldade na articulação da palavra. Melhor assim, porque hoje, com cinqüenta anos de parlamento, cheguei à conclusão que ali não é lugar de falar e sim de ouvir. O Mão Santa já fala por todos.

José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa

jose-sarney@uol.com.br

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