sexta-feira, 17 de outubro de 2008


Campanhas sujas

A nova legislação eleitoral proibiu a colocação de cartazes em paredes e postes, o que deixava toneladas de lixo para as prefeituras depois de cada eleição.Mas a sujeira dos cartazes está sendo substituída por outra, a verbal, que só teria uma solução: esparadrapo na boca dos candidatos.Esta prática vem desde o nascimento da democracia, quando, para atingir Péricles, seus adversários acusaram Fídias de roubar parte do ouro usado na estátua da deusa Atena.No Norte ou Nordeste, a violência e o baixo nível dos insultos permeiam as disputas eleitorais. Pensávamos que isso só acontecia nas áreas pobres do Brasil. Agora sabemos que a coisa é mais geral e que o Sul maravilha também gosta de mergulhar na sujeira dos ataques pessoais.Mas essa prática condenável vem de mais longe. Não é só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, que a qualidade do debate deixa a desejar. O embate entre McCain e Obama não está em nível mais elevado que os nossos, e as referências de um ao outro incluem "traidor" e "cafuso terrorista", respondidas com acusações de lobista e de mentir sobre o grau de seu apoio às políticas de Bush.A exemplar democracia do mundo não é tão exemplar nesse quesito. A mulher de John McCain chegou a afirmar que Obama conduz "a campanha mais suja da história americana". Não tanto ao mar nem tanto à terra. A tradição de violência nas campanhas americanas é de sempre. De Thomas Jefferson disseram que, se eleito, "poderíamos ver nossas esposas e filhas vítimas de prostituição legal", como relata Libby Copeland, do "Washington Post", sem falar da alusão à acusação -verdadeira- de ter vários filhos com uma escrava.Aqui no Brasil, Joaquim Nabuco, em discurso em defesa do Ministério João Alfredo, que tinha feito a Abolição, relata que viu o Visconde do Rio Branco -pai do Barão- com as mãos brancas, "parecendo de mármore, revelando toda tortura moral que sofria" com as insinuações do Conselheiro Zacarias sobre sua reputação.Na Campanha Civilista, Rui Barbosa foi acusado do diabo, podendo escolher-se qual crime ou imoralidade que não lhe tenha sido imputada. Mas a violência da República não se limitava às palavras. Pinheiro Machado, por conta de manter a maioria governamental, decretava intervenções nos Estados, destituindo governadores e provocando brutais brigas políticas.Eu mesmo já assisti, nas campanhas de Getúlio em 1950 e de Juscelino em 1955, a embates de corar frades de pedra. Saía fogo.Apesar de tudo, nossa democracia vai melhorando a cada dia, principalmente com as derrotas dos bocas-bobas.

José Sarney é ex-presidente, senador do Amapá e acadêmico da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras
jose-sarney@uol.com.br

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