quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Executivo e Legislativo prometem concluir regulamentação da Carta

Valor Econômico

Raymundo Costa e Raquel Ulhôa, de Brasília

Numa espécie de reparação do discurso do PT de 20 anos atrás, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou ontem de "momento de ouro" o trabalho da Assembléia Nacional Constituinte, em 1988. À época, o PT votou contra o texto aprovado, considerado estatizante pelos setores mais conservadores e reacionário pela esquerda. Desde então a Carta de 88 já recebeu quase 60 emendas.

As mudanças nos capítulos da ordem econômica, monopolistas e estatizantes, talvez sejam o melhor exemplo da extensão revisionista. Mas o Congresso ainda não está satisfeito. Uma comissão criada no primeiro semestre trabalha para concluir a regulamentação dos artigos ainda pendentes.
O presidente do Congresso, Garibaldi Alves (PMDB-RN), roubou a cena numa festa em homenagem aos 20 anos da promulgação - à qual compareceram 450 congressistas, entre deputados e senadores com mandato e aqueles que integraram o colégio constituinte de 1988. Garibaldi voltou a tocar num assunto que tem sido objeto de tensão entre os dois poderes desde o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso: o excesso de edição de medidas provisórias pelo Executivo.
Segundo o presidente do Senado, é "inconcebível" que, de 120 sessões deliberativas realizadas no ano passado, não tenha havido votação em 68 delas, obstruídas por MPs com prazo de deliberação vencido.
"Não sei se estou sendo ousado, mal educado, mas estou sendo autêntico. Não estou sendo hipócrita", disse Garibaldi, provocando risadas na platéia. Apesar da cobrança, o tom da solenidade foi ameno e bem humorado. Garibaldi reclamou da falta de regulamentação da Constituição. "Se veio para ficar, já deveria estar aperfeiçoada e não está", disse, ao lembrar que vários artigos ainda não foram regulamentados.
Lula, que levara um discurso por escrito, abandonou o texto e adotou o mesmo tom do presidente do Congresso. Anunciou a criação de uma comissão presidida pelo deputado Michel Temer (PMDB-SP), tendo como relator o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), com a tarefa de regulamentar os artigos necessários. "Nunca um governo atendeu tão rapidamente um presidente do Congresso", disse. Na realidade, a comissão foi criada no final do semestre passado pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que deu a deixa para Lula responder Garibaldi.
Lula fez uma reverência aos constituintes de 88. "O dado concreto é que nós conseguimos votar, num tempo recorde, sem as brigas que já existiam em outros lugares do mundo, uma Constituição que, se não foi a melhor, ainda está para nascer uma melhor do que ela", disse. "Não somos deuses e, portanto, a fizemos em função do grau de consciência e amadurecimento político da sociedade naquele instante."
Depois de registrar que 2010 será a primeira eleição em que não será candidato à Presidência - "não sei se alguém está com saudades, mas..."- Lula lembrou que em 19 desses 20 anos, pelo menos três presidentes da República (ele, FHC e Itamar Franco) foram "companheiros" na Constituinte, "têm raízes na elaboração e na promulgação dessa Constituição". Reservou elogio especial ao senador José Sarney (PMDB-AP), então presidente: "Foi um estadista no seu comportamento", disse.
Ainda hoje a oposição costuma acusar o presidente e o PT de não terem assinado a Carta, o que não é exato. O PT decidiu votar contra - decisão, aliás, anunciada por Lula e pelo então deputado Olívio Dutra (PT-RS) no plenário -, mas assinou a Constituição, após longa negociação com o presidente da Constituinte, o deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), morto em 1992.
Lula prestou tributos ao tucano Mário Covas e a Ulysses, cuja capacidade de negociar acordos chamou sua atenção: "Naquela época eu não tinha dimensão da necessidade das costuras que você tem que fazer antes de colocar uma matéria delicada em votação", disse Lula. "Hoje, na Presidência, eu já tenho noção de como é bom fazer essas costuras antes", afirmou.

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