Ciclos e círculos
Seguindo sua história e sua formação, a humanidade vive em permanente mudança. É o ser vivo de James Lovelock, a Gaia que vive palpitando, morrendo e nascendo. Reage e interage conforme o tempo e a circunstância. A economia não foge à regra. E nada mais fugaz e mutante do que ela. Ao despedir-me da Presidência, afirmei que "a economia é transitória, permanentes são as instituições que tentam governá-la". A crise atual, que há um ano era uma sombra, há seis meses era possível, há três, pequena e controlável, hoje é autônoma, com dinâmica própria, avassaladora e incontornável. Para domá-la, muita água vai passar por debaixo da ponte.
Há marcadores na história que nos levam a compreender a existência das leis do caos. Estes episódios aparecem e nos avisam que uma etapa, grande ou pequena, chegou ao fim. Não quero ser radical, dizendo que o capitalismo chega ao fim, mas o neoliberalismo, a auto-regulação como fórmula mágica, as ilusões do conhecimento das leis invisíveis do mercado, que se encarregam de tudo, foram atingidos.
A certeza é que duas coisas se conjugaram para criar essa miragem: o fim das utopias ideológicas e a globalização, cuja primeira grande conquista foi a criação dos mercados globais financeiros, que conseguiam fazer, através da tecnologia, com que uma economia paralela girasse em torno do seu eixo, rodando dia e noite. Para tanto, contavam com a maravilha dos computadores que tomavam decisões, analisavam títulos, câmbio e juros e não erravam em nada, funcionando como uma defesa da própria economia, que poderia detectar o menor sinal de abalo e corrigi-lo imediatamente.
Simplesmente apareceu aquilo que aparece com as drogas milagrosas: os efeitos colaterais. E a atual crise tornou-se global, justamente porque o mercado passou a ser global. Ninguém escapa, e a pandemia das quebras passa de meridiano a meridiano com a mesma velocidade com que ontem os mercados alavancavam negócios.
Quando houve a crise do petróleo, a primeira, lembro ter lido na coluna do jornalista Carlos Castelo Branco, precursor, com Tobias Monteiro, do jornalismo de análise no Brasil, uma entrevista com o ministro do Planejamento. E este dizia que o Brasil estava imune à crise e que ela pouco nos afetava.
Afinal, por aproximações sucessivas, vimos que não era bem assim e entramos de cabeça no mar das dificuldades. Foi o fim de um ciclo, o do petróleo barato. Ajustaram-se as economias, entramos no vitorioso programa do álcool combustível. A atual crise de confiança no mercado auto-regulador talvez seja o fim de outro ciclo. O Estado é necessário para evitar as catástrofes. Lord Keynes sai do túmulo e Friedman entra na catacumba.
José Sarney é ex-presidente, senador do Amapá e acadêmico da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras
Seguindo sua história e sua formação, a humanidade vive em permanente mudança. É o ser vivo de James Lovelock, a Gaia que vive palpitando, morrendo e nascendo. Reage e interage conforme o tempo e a circunstância. A economia não foge à regra. E nada mais fugaz e mutante do que ela. Ao despedir-me da Presidência, afirmei que "a economia é transitória, permanentes são as instituições que tentam governá-la". A crise atual, que há um ano era uma sombra, há seis meses era possível, há três, pequena e controlável, hoje é autônoma, com dinâmica própria, avassaladora e incontornável. Para domá-la, muita água vai passar por debaixo da ponte.
Há marcadores na história que nos levam a compreender a existência das leis do caos. Estes episódios aparecem e nos avisam que uma etapa, grande ou pequena, chegou ao fim. Não quero ser radical, dizendo que o capitalismo chega ao fim, mas o neoliberalismo, a auto-regulação como fórmula mágica, as ilusões do conhecimento das leis invisíveis do mercado, que se encarregam de tudo, foram atingidos.
A certeza é que duas coisas se conjugaram para criar essa miragem: o fim das utopias ideológicas e a globalização, cuja primeira grande conquista foi a criação dos mercados globais financeiros, que conseguiam fazer, através da tecnologia, com que uma economia paralela girasse em torno do seu eixo, rodando dia e noite. Para tanto, contavam com a maravilha dos computadores que tomavam decisões, analisavam títulos, câmbio e juros e não erravam em nada, funcionando como uma defesa da própria economia, que poderia detectar o menor sinal de abalo e corrigi-lo imediatamente.
Simplesmente apareceu aquilo que aparece com as drogas milagrosas: os efeitos colaterais. E a atual crise tornou-se global, justamente porque o mercado passou a ser global. Ninguém escapa, e a pandemia das quebras passa de meridiano a meridiano com a mesma velocidade com que ontem os mercados alavancavam negócios.
Quando houve a crise do petróleo, a primeira, lembro ter lido na coluna do jornalista Carlos Castelo Branco, precursor, com Tobias Monteiro, do jornalismo de análise no Brasil, uma entrevista com o ministro do Planejamento. E este dizia que o Brasil estava imune à crise e que ela pouco nos afetava.
Afinal, por aproximações sucessivas, vimos que não era bem assim e entramos de cabeça no mar das dificuldades. Foi o fim de um ciclo, o do petróleo barato. Ajustaram-se as economias, entramos no vitorioso programa do álcool combustível. A atual crise de confiança no mercado auto-regulador talvez seja o fim de outro ciclo. O Estado é necessário para evitar as catástrofes. Lord Keynes sai do túmulo e Friedman entra na catacumba.
José Sarney é ex-presidente, senador do Amapá e acadêmico da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras
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