domingo, 16 de novembro de 2008

Renivaldo Costa*

Procura-se um poeta

F. de Moraes é um poeta ignorado por nossa plêiade. Ninguém sabe de onde ele veio, sua biografia é uma incógnita assim como o seu nome, que ninguém sabe se é Francisco ou se é Fernando. Não posso me considerar um privilegiado por conhecê-lo, pois numa cidade em que ninguém conhece F. de Moraes conhecê-lo não faz a mínima diferença. Nem posso garantir que ele realmente exista, pois muitas vezes já me fiz esta pergunta e nunca cheguei a resposta alguma.
A primeira vez que vi F. de Moraes ele estava sentado no Bar do Abreu e aquela imagem dele no bar ficou impressa em minha memória por mais tempo do que eu queria. Da segunda vez, no mesmo bar, não hesitei em perguntar àquele senhor que envergava o mesmo terno, que bebia o mesmo uísque com a mesma parcimônia, se ele era um poeta. A reação foi inconfundível: lançou-me um olhar de anjo torto e não precisava dizer que sim, mas logo aí ele me surpreendeu com uma de suas respostas que me surpreenderiam pelo resto de nossos encontros marcados e não-marcados: "Aqui, meu caro, todos nós somos poetas", ele disse.
Voltei ao Bar do Abreu ainda por várias noites, com uma assiduidade boêmia, mas nada de encontrar meu amigo F. Na madrugada que estabeleci como a última em que acreditaria naquele fantasma urbano, lá estava F. de Moraes sentado na escadaria do Bacabeiras, bebendo seu uísque em um copo descartável, mas com uma classe semelhante a das outras ocasiões.
O amanhecer foi memorável em sua companhia. Descobri nele um dos poetas mais prolixos de sua geração, com a sintomática diferença de que nenhum livro seu está impresso ou manuscrito – F. de Moraes tem todos eles decorados. Quando perguntei o porquê de não os reproduzir, cofiou sua calvície legendária e me respondeu que não havia por que os tirar de seus lugares. Desconfiei da história e pedi que ele me falasse algum poema. F. de Moraes não só me recitou sua obra completa como fez todo um preâmbulo citando sumário, dedicatória e até as orelhas que ele mesmo se encarrega de imaginar.
Escondeu-me o endereço, o passado, e tudo mais que me fizesse crer que ele próprio não fosse como os seus versos: fruto da imaginação. Se você, leitor, vir algum senhor calvo bebendo gim numa mesa de bar, comunique-me. F. de Moraes faltou a nossos últimos encontros e não sei do seu paradeiro.



*Renivaldo Costa é jornalista e educador

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