sexta-feira, 21 de novembro de 2008


"Modernidade e Mosquitos"
Por José Sarney*

O tema dos Anos 90 foi a modernidade. Havia desejo por mudanças. A "Queda do Muro de Berlim" tinha fortalecido as concepções liberais fundamentadas no enfraquecimento do Estado do Bem-Estar Social. No Brasil, uma nova agenda política foi imposta: o controle dos gastos públicos e o enxugamento do Estado. Com isso, houve a desregulamentação da economia, a reforma desordenada do Estado, as privatizações e a inserção acelerada do Brasil na economia globalizada. A preocupação com a questão social foi sendo substituída pelas leis de mercado. Tudo em nome da modernidade. Mas sempre achei difícil saber quem é moderno e quem não é. Aliás, essa discussão não é só do Brasil. Já Péricles, na Grácia Antiga, disse no discurso aos mortos da Guerra do Peloponeso que tinha orgulho da modernidade de Atenas. É o mais antigo documento sobre as idéias políticas do Ocidente. O general Delgado, aquele que brigou com Salazar, ao chegar ao Brasil, deu os motivos pelos quais divergia: Salazar é um retrógrado. "Usa botas e não anda de avião." Essa coisa de modernidade, portanto, é sempre uma questão muito problemática. Fui tido como arcaico porque defendi a não-privatização da Vale do Rio Doce, uma agência de desenvolvimento. Estou em paz com minha consciência, a favor do Brasil, ao lado da maioria do arcaico povo brasileiro e na companhia de Barbosa Lima Sobrinho. A verdade é que não consigo entender que, em nome da modernidade, insistam em destruir o que sempre funcionou bem. Caso exemplar é o que está acontendo com a saúde pública. A mesma preocupação modernizadora que nos fez perder a Vale, levou a saúde pública, ironicamente, de volta aos problemas do início do século XX, quando a situação do Rio de Janeiro era precária. Naquele tempo, Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz e o prefeito Pereira Passos deram início ao combate efetivo às endemias e epidemias no Rio de Janeiro e no Brasil. A criação da Superintendência de Campanhas de Saúde, em 1956, com JK, deu uma dimensão nacional às campanhas. Nos Anos 70, a SUCAM aperfeiçoou a atuação do exército dos guarda-mosquitos, que percorriam o Brasil inteiro, instruindo a população casa a casa, borrifando as residências, eliminando os focos do mosquito, pulverizando as regiões infestadas. Era um trabalho permanente e eficiente. Mas, em 1990, foi extinta a Sucam e os casos de dengue logo ultrapassaram 100 mil e não pararam de crescer até hoje. Em 2002, com a mesma preocupação "modernizadora", outro governo extinguiu a Funasa e demitiu 90% dos mata-mosquitos no país através da Medida Provisória (MP) nº 33. Já havíamos erradicado o problema, mas as concepções tecnocráticas e monetaristas, comprometidas com enxugamentos no Orçamento para manter superávits primários, venceram os arcaicos, mas eficientes "mata-mosquitos". Resultado: hoje, cinco cidades brasileiras estão sob risco de surto de dengue e outras 71, entre as quais 14 capitais, em estado de alerta. São informações da edição de 2008 do Levantamento Rápido de Infestação por Aedes aegypti (Liraa). Significa que 28 milhões de pessoas vivem em áreas fora dos padrões considerados adequados para evitar um surto da doença. O governo Lula, através do ministro Temporão, está tomando providências importantes, mas a "modernização" destruiu uma infra-estrutura de combate ao mosquito que não é fácil de reconstruir de um dia para o outro. Nesta área, portanto, o negócio então é ser arcaico... e vacinado contra as modernices.

*José Sarney, ex-presidente da República, senador do Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa

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